As propagandas com promessas que parecem milagrosas proliferam pelo Instagram, canais do YouTube e páginas na internet de clínicas de todo o país. Segundo elas, aplicações do gás ozônio através do ânus, da vagina e por via intravenosa ajudariam na cura do câncer, no combate a infecções virais, endometriose, hérnia, doenças circulatórias e depressão — benefícios não comprovados cientificamente.
Recentemente, o nome da ozonioterapia apareceu no noticiário em meio às acusações de que o plano de saúde Prevent Senior teria pressionado profissionais de seus hospitais credenciados a prescrever tratamentos sem eficácia e segurança comprovadas contra a covid-19 e, em alguns casos, sem consentimento dos pacientes. A empresa nega as acusações (leia mais abaixo). Segundo denúncias investigadas pela CPI da Covid no Senado, a ozonioterapia estaria entre esses tratamentos.
Muito além da covid-19, a BBC News Brasil identificou dezenas de clínicas em todo o país oferecendo procedimento com ozônio como tratamento para diversas doenças a preços elevados.
Numa clínica no Itaim Bibi, bairro nobre de São Paulo, uma sessão de aplicação de ozônio custa R$ 380 e o procedimento é oferecido para tratar diversos problemas saúde, entre eles gastrite, doenças intestinais e infertilidade. O pacote de 20 sessões, com "desconto", sai por R$ 6.440.
Mas o uso desse procedimento, que prevê a liberação de gás ozônio no organismo, não é autorizado para tratamentos médicos e prevenção de doenças.
Só são regularizadas e registradas na Anvisa máquinas de ozonioterapia para uso estético (em limpeza de pele e assepsia) e odontológico, como no tratamento de cáries. Utilizar equipamentos de ozonioterapia fora dessas finalidades contraria a legislação sanitária, segundo informou à reportagem a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
De acordo com a agência, pedidos de registro de máquinas de ozonioterapia para outras finalidades além destas duas não conseguiram apresentar até agora evidências científicas de segurança e eficácia.
"Não existem equipamentos para ozonioterapia com finalidade terapêutica ou preventiva médica regularizados junto à Anvisa, visto que nenhum dos processos protocolados na Anvisa conseguiram comprovar a eficácia através de pesquisas clínicas específicas para cada indicação de uso", disse a agência.
"Antes da comercialização e uso de qualquer dispositivo médico nos serviços de saúde do Brasil, deve ser obtido o Registro/autorização da Anvisa", destacou a Anvisa, por email.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) também não autoriza a ozonioterapia como tratamento médico. A resolução 2.181/2018 do CFM estabelece que o procedimento só pode ser feito sem cobrança dos pacientes, em pesquisas científicas registradas e que sigam os critérios da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
Enquanto o CFM proíbe a prática clínica com a ozonioterapia, algumas entidades como o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) publicaram normas regulamentando e permitindo o uso da técnica por seus profissionais. Entretanto, a assessoria de imprensa do Cofen afirmou que seu parecer normativo autorizando os enfermeiros a praticarem a ozonioterapia "não isenta profissionais de cumprirem normas da Anvisa".
O Conselho Federal de Odontologia (CFO), o Conselho Federal de Farmácia (CFF) e Conselho Federal de Biomedicina (CFBM) também regulamentaram a prática, mas não responderam ao pedido de posicionamento da reportagem.
Promessa até de 'cura'
A BBC News Brasil entrou em contato com clínicas em diferentes cidades do país, sem se identificar como jornalistas, para pedir informações sobre procedimentos de ozonioterapia que elas ofereciam em seus sites e redes sociais.
Em alguns casos, no afã de vender o produto, os profissionais das clínicas de ozonioterapia chegaram a prometer "cura" de doenças com o tratamento, embora o consenso científico aponte que não há comprovação disso. Uma clínica de Brasília disse que cerca de 14 a 20 aplicações de ozônio no ânus, por meio de uma sonda, a um custo de R$ 180 cada, podem resolver em "100% o problema da endometriose".
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