quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Origem de frases feitas

       

        Pesquisando sobre a origem da expressão “De maus bofes”, que popularmente designa uma pessoa mau humorada, mau caráter, irascível, descobri um trabalho sobre frases feitas extraídas da obra de Carlos Drummond de Andrade, que achei muito interessante. Infelizmente não consegui a identificação do autor ou autores do trabalho, mas extrai algumas frases cujas origens são muito interessantes e pitorescas. Vamos a elas:

De Maus Bofes

Os bofes são as entranhas ou vísceras, de um animal. E, segundo a crença popular, são responsáveis pelo bom ou mau humor das pessoas. Até se costuma dizer que quem sofre do fígado está sempre de mau humor. Daí expressões como antipatia visceral ou inimigo fidagal ou de bofe inchado, que é o mesmo que excessivamente irado.

Debaixo desse Angu tem Carne

Angu é uma alimentação barata, cujo elemento básico é o fubá de milho ou farinha de mandioca. Foi largamente utilizado na alimentação dos escravos no Brasil. Como as cozinheiras também eram escravas, frequentemente se encontravam pedaços de carne, que deveriam ser reservados aos feitores, escondidos debaixo do angu de determinados escravos protegidos pela cozinheira ou por outra pessoa, geralmente o transportador dos alimentos ou seu distribuidor. Por isso, se fosse observado que determinado escravo estava muito cuidadoso com sua porção de angu ou se houvesse preferência por uma outra, desconfiava-se sempre dessa diferença de tratamento. E todos pensavam que debaixo daquele angu devia haver carne.

Arrastar a Asa.

Arrastar a asa é a forma de um galo cortejar a galinha. É da observação deste fato que surgiu a frase feita que indica o seu correspondente entre os humanos, ou seja, o cortejo do homem a uma mulher. Como o galo é o símbolo do macho dominador, subentende-se que arrastar asa inclui a demonstração de habilidades de macho.

Ficar Debaixo do Balaio

A expressão lembra o processo caseiro, ainda usado no interior de Minas Gerais, de fazerem com que as galinhas percam o choco. O processo consiste em prender a galinha choca sob um balaio e sobre uma poça d’água, de modo que ela não possa deitar-se, na posição normal de chocar. (Galinha não se deita sobre água.) Desta maneira aparentemente cruel, a galinha se esquece plenamente do seu instinto de chocadeira, voltando naturalmente aos seu período de postura. Aplicada aos namorados, ficar debaixo do balaio é uma situação idêntica, em que eles têm de esquecer o parceiro ou a parceira desejada e procurar outra, recomeçando, forçadamente, todo o ciclo que já iniciaram.

Matar o bicho

Este é um processo usado pelos beberrões há mais de quatro séculos para tomar de vez em quando o seu gole de bebida forte. Inicialmente, e até bem pouco tempo, o pretexto medicinal rezava que um gole de bebida alcoólica de alto teor, ingerida pela manhã, em jejum, surpreendendo o “bicho” (verminose), combatendo-o ou até matando-o. A história de Madame La Vernade, filha de um general francês, que morreu em 1519 e que tinha um verme atravessado no coração, resistindo a todos os tóxicos, parece ter dado início a esta crença, que mais parece uma desculpa. Conta-se que Madame La Vernade, falecendo subitamente, foi autopsiada, tendo-se encontrado tal verme atravessado em seu coração. Não morrendo com aplicação de todos os tóxicos disponíveis, os médicos embeberam um pedaço de pão em vinho forte, colocando sobre o pão umedecido o resistente verme. Foi o suficiente para que ele morresse imediatamente. A partir de então, os médicos passaram a aconselhar que se quebrasse o jejum com pão e vinho. Os beberrões, no entanto, não se contentaram com o pão e o vinho. Começaram a tomar bebida mais forte e, depois, aboliram o pão. Atualmente, mata-se o bicho a qualquer hora, e o vinho foi substituído pela cachaça.

Fazer Boca-de-siri

O siri, ao prender alguma coisa com uma de suas garras, que as pessoas chamam de boca, mas na verdade não é, ele não solta nem mesmo depois de morto. Fechar a boca implica em ficar calado, fazer “boca-de-siri” passou a substituir uma explicação muito mais extensa que pudesse indicar o ato de calar-se ou fazer segredo rigoroso.

Dar Bode

É evidente o significado de dar, que corresponde a resultar ou ter por resultado. Mas, por que bode? O bode sempre esteve ligado às forças diabólicas, como lembra Câmara Cascudo, em seu Coisas que o Povo Diz: "Qualquer velha bruxa de outrora, sabedora de orações e remédios fortes, informava do poder do Bode, sinônimo diabólico, temido e respeitado na ambivalência natural." Aliás, segundo a tradição judaica, o bode era o animal escolhido para carregar todos os pecados de seu povo e, por isso, ser abandonado num deserto. Representando todo o mal, o bode expiatório era ao mesmo tempo vítima e réu. Dar bode é resultar numa situação infernal, indesejável, confusa.

Dar com os Burros n’água

Acredita-se que a frase provém de um conto popular vulgarizado oralmente no interior do Brasil. Conta-se que dois tropeiros foram incumbidos de realizar a façanha de transportar com suas respectivas tropas uma carga qualquer até um determinado lugar, onde estaria a pessoa que pagaria com um prêmio o que primeiro chegasse com a sua carga. Acontece que o caminho era desconhecido, e ambos tiveram o direito de escolher a mercadoria que desejavam para que a viagem se tornasse mais fácil. O primeiro escolheu uma carga de algodão, porque era mais leve. O segundo escolheu uma carga de sal, porque era mais volumosa. Seguindo caminhos diferentes, no entanto, ambos tiveram que passar a vau por um rio, que surgiu inesperado. O primeiro, ao tentar passar, umedeceu sua carga e os burros quase morreram afogados, saindo a custo do rio, onde a carga ficou perdida, com um peso insuportável. Ao tentar passar, o segundo tropeiro teve toda a sua carga de sal derretida, chegando na outra margem apenas com a sua tropa descarregada. Deste modo, dar com os burros n’agua passou a significar se dar mal em alguma tarefa.

Há outras frases, mas não dá pra colocar tudo aqui. Ficaria cansativa a leitura. Prometo oportunamente publicar outras.

 

Um comentário:

Unknown disse...

Insistir, até que insisti. Arrastei a asa uma, duas, três vezes.Mil galanteios. "Pedacinho de céu na terra", "Uma nora assim é que mamãe queria". Qual nada! Quanto mais trazia à tona velhos chavões da conquista, mais aquele par de olhos de jaboticaba,felinamente ouriçava as unhas e punha-se de maus bofes.Tudo na contramão de minhas secundárias intenções, certo estava eu que debaixo daquele angu, carne havia. A certa altura, fiz-me de morto, ficando debaixo do balaio, enquanto matava o bicho tomando umas e outras para encorajar-me.
Bobagem pura! O dono do botequim, em vez de fazer boca de siri, indiscreto, botou a boca no trombone alardeando para mundos e fundos minhas inconfessáveis intenções. Sua indiscrição por um lado, em confronto com os valores etílicos que me incensavam,resultaram num quiproquó sem tamanho, todos exaltados, todos sem razão.
Enquanto isso, a gata espreitando à porta do boteco,apreciando a confusão divertiu-se ao ver-me dar com os burros n'água na malfadada de tentar conquistá-la.
Coisas da vida.