segunda-feira, 20 de julho de 2020

A Covid-19 e o Maracanã lotado

Umas das coisas mais impressionantes que já vi foi o antigo Maracanã lotado. Foi na primeira vez que fui ao templo durante um ECEM- Encontro Científico dos Estudantes de Medicina-, em 1983, para ver um Fla x FLu. Pouco antes, o estádio – que foi reformado para a Copa- tinha registrado a proeza de receber 150 mil torcedores na final do Brasileiro, com o Santos. Naquele jogo o Flamengo foi campeão com três gols, sendo um de Zico, marcando sua despedida daquele glorioso e inesquecível time. Na minha estréia, 75 mil torcedores estiveram em campo e vimos um empate. Era incrível a multidão, da geral (que ainda existia) à Tribuna de Honra.

Depois veio outro Fla x Flu, com inacreditáveis 110 mil torcedores e vitória do Flamengo, e mais um no triangular final, com 85 mil torcedores, em que o Fluminense venceu com um gol no minuto final. E os Flamenguistas se arrastaram do estádio com a sensação que só os que perdem sabem carregar. Nenhum estádio do mundo moderno cabe mais tanta gente reunida. Nos tempos atuais, não veremos tanta gente aglomerada em lugar nenhum.
A pandemia da Covid-19, pelo vírus Chinês, é uma longa agonia de números. Implacavelmente, dia após dia, de forma exasperante, os números de perdas vão se somando, as dores anônimas vão sendo instaladas nas almas das famílias, em separações sem luto, e caminhos sem volta. São afetos irreparáveis, histórias que não terminaram de ser vividas, mas que já estão por cair em uma rotina de normalização e aceitação que parecem não retratar a grandeza da tragédia. A partir de certo ponto a universalização do sofrimento e a longa convivência com a pandemia vão retirando de nós, o espanto, e transformando em aceitação o que era assombro.
O risco, com isso, é perdermos a indignação com as ações insuficientes do poder público, e a adesão às medidas de proteção, porque esse enfrentamento tem cobrado um preço excessivamente alto, em vidas, medo, e tensão, às famílias e a todos que estão na linha de frente. Em especial, porque em muitos casos os profissionais da saúde estão atuando em condições muito desfavoráveis, expostos, por agirem motivados pelo chamado da solidariedade e o compromisso de salvar vidas. Humano, cuida de humano.
O Brasil chegou a 80 mil vítimas do Coronavírus e caminhamos, inexoravelmente e as escuras, para 100 mil. Para termos uma dimensão, dos 5570 municípios, do Brasil, apenas 400 tem população maior. Ou, de outra forma, as vítimas ocupariam um estádio. Na última vez que vi tanta gente reunida, por lá, muitos saíram com a sensação de derrotados. Agora, que o estádio é usado apenas como abrigo de hospital de campanha, os vejo de novo.
Caso você não tenha percebido o tamanho das perdas, há um Maracanã lotado.

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