sexta-feira, 31 de julho de 2020

Lobo-guará, o 'semeador de árvores' ameaçado na natureza e homenageado em nota de R$ 200

Tornar-se o símbolo da cédula mais valiosa no Brasil contrasta com a realidade do lobo-guará. O animal que estampará a nota de R$ 200 tem passado por uma fase de pouca valorização: perdeu parte de sua população nas últimas décadas, tem sido alvo constante de produtores rurais e viu o seu território ser tomado pelo agronegócio.
O maior canídeo silvestre da América do Sul vive em risco constante. Um dos principais símbolos do Cerrado, o lobo-guará foi duramente afetado pela constante expansão do agronegócio no bioma.
Classificado pelo Ministério do Meio Ambiente como uma espécie vulnerável, em uma lista de animais ameaçados de extinção, o lobo-guará é considerado inimigo por muitos proprietários de áreas rurais. Com frequência, o animal é morto a tiros. Outro risco está nas rodovias; há diversos registros de canídeos que morreram atropelados.

Há mais de duas décadas, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em inglês) classifica o lobo-guará como uma espécie "quase ameaçada".
Especialistas apontam que, diante dos frequentes problemas causados por intervenção humana, a população de lobos-guarás no Brasil reduziu cerca de um terço nas últimas duas décadas. A estimativa atual, segundo estudiosos, é de que haja cerca de 24 mil animais no Brasil, que correspondem a cerca de 80% da população mundial — eles também estão em países como Argentina, Uruguai, Bolívia e Peru.
Para os estudiosos, é necessário que as pessoas e produtores rurais se atentem com urgência à necessidade de preservar os lobos-guarás. Caso contrário, acreditam que futuramente o animal pode figurar entre aqueles que correm risco de extinção.
Animais vivem diversos problemas como o avanço do agronegócio, os perigos nas estradas e conflitos com produtores rurais
Uma das esperanças de especialistas é que a imagem do lobo-guará na cédula de R$ 200 traga mais destaque à espécie para que as pessoas se atentem às dificuldades vividas por esses animais.
De acordo com o Banco Central, o lobo-guará foi escolhido para ilustrar a nota com base em uma pesquisa feita em 2001 para escolha de animais para novas cédulas. Os dois mais votados, tartaruga-marinha e mico-leão-dourado, foram utilizados, respectivamente, nas cédulas de R$ 2 e de R$ 20. O terceiro foi o lobo-guará.
Esta será a primeira vez, em 18 anos, que o real ganhará uma nota de novo valor. Ela se juntará aos seis valores de cédulas hoje em circulação: R$ 2, R$ 5, R$ 10, R$ 20, R$ 50 e R$ 100.
O lobo-guará já havia aparecido em uma moeda brasileira no passado. Entre dezembro de 1993 e setembro de 1994, ele estampou a moeda de 100 cruzeiros reais.

Perda de habitat

Estudos apontam que cerca de 60% dos lobos-guarás no Brasil estão concentrados no Cerrado. Eles também estão presentes em áreas desmatadas da Mata Atlântica, além do Pantanal e os Pampas (em parte do RS).
No bioma em que há maior presença dos lobos-guarás é também onde existe maior expansão do agronegócio brasileiro.
O desmatamento no Cerrado traz mudanças intensas aos lobos-guarás. "As áreas em que eles vivem foram tomadas por setores da economia, como a agricultura. Isso descaracteriza o bioma. Essas regiões se tornam mares de pasto, cana ou soja", relata o biólogo Rogério Cunha de Paula, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Há mais de 20 anos, o especialista estuda os lobos-guarás.
A alimentação dessa espécie é caracterizada por diversidade de alimentos. Os lobos-guarás comem de insetos, lagartos, aves e roedores a diversas frutas. "Essa falta de diversidade causada pela agricultura é muito prejudicial a esses animais, porque eles buscam variedade de alimentos", afirma o especialista.
"Toda essa mudança no habitat eleva o padrão de estresse dos lobos-guarás e os estudos mostram que o hormônio deles, que responde ao estresse, atinge taxas altas em áreas degradadas. Isso interfere na reprodução da espécie e eles se tornam mais sensíveis a doenças", acrescenta Rogério.
Apesar do avanço do agronegócio no Cerrado, os lobos-guarás permanecem nessas regiões. Um dos fatores é a capacidade de resiliência que possuem. Assim, os pequenos trechos ainda existentes do bioma se tornam fundamentais para que eles continuem nos locais tomados pelo agronegócio.
"Por meio de um satélite, analisamos que há muitos desses animais em áreas de pastagem ou usadas para a agricultura. Eles continuam ali porque ainda há um pouco de áreas naturais, que eles precisam para sobreviver", explica o biólogo Ricardo Boulhosa, presidente Instituto Pró-Carnívoros, que atua na preservação de mamíferos carnívoros.
"O lobo-guará está intimamente ligado ao Cerrado, apesar de aparecer também em outros biomas. Essa transformação muito rápida desses lugares, com o agronegócio, causa uma descaracterização das áreas naturais. Isso acontece também em outras regiões em que os lobos estão, como os Pampas. É um grande problema para esses animais", acrescenta o biólogo.
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