
Essa prática está mudando de forma radical com a tecnologia, os
algoritmos, a Inteligência Artificial, que tenderão a fazer de forma
mais precisa- sem cansaço, sem vieses, e mais barato-, o que fazemos.
Há, no entanto, algo mais vasto e poderoso que a técnica, e pelos quais
os pacientes se guiam: a confiança, a segurança, que só o médico é capaz
de oferecer, pois, o doente é sempre alguém frágil, despido de suas
certezas e discursos, de sua infalibilidade.
O doente é, essencialmente, uma lágrima, e tanto maior ela será quanto
mais grave for sua doença. É dessa habilidade em lidar com a lágrima do
outro que fazemos a separação entre os normais- importantes-, e os
gigantes - essenciais. Certo que podemos fazer cursos de psicologia, de
relação interpessoal, mas diria que há algo inato, algo de pequeno
milagre, na capacidade que cada um tem de acolher um doente em seus
medos, seus segredos, e lhe oferecer uma saída, seja ela a cura, o
alívio, ou a mais confortável convivência com o tempo que resta. Na
Medicina, não há cais em remansos, e sim, em tempestades.
Quando somos ensinados, ou ensinamos, temos por foco tornar o médico
“maximamente eficiente e minimamente invasivo à integridade física,
econômica e afetiva do paciente”como digo aos alunos. Cumpro o ofício
que me é dado como professor, mas confesso que gostaria muito mais de
saber habilitar almas que cérebros, porque domar a técnica, é um dever,
uma obrigação, com tempo finito; ensinar uma alma a lidar com o limite,
ou escolhas, da vida, é imenso, e, por vezes, tarefa de uma existência
inteira.
Exige ler muito para desvendar o humano, ter domínio absoluto das
palavras, do tom, da mensagem a ser entregue, pois, ela precisa ser
otimista, sem ser falsa; realista, sem ser desesperançosa, esse, talvez,
o mais importante item terapêutico. Nós médicos, precisamos ser
vendedores de esperança. Em medidas precisas, adequadas a cada momento,
pois, sabemos que o que separa o remédio do veneno é mesmo, a dose.
O humano é uma vastidão, e, por vezes, para encontrar sua sensação real
diante da doença, da culpa, da aceitação, ou do arrependimento, é
preciso debulhar a casca de suas falas- por vezes agressiva,por vezes
medrosa, indiferente, arrogante -, limpar esses grãos, e encontrar lá no
centro um lugar digno, acolhedor, para esse enfrentamento.
Às vezes, um médico só está completo quando vivenciou suas próprias
perdas e aprende a contar de saudade e falta; às vezes, nunca, ficará.
Precisamos falar muito mais sobre isso com nossos alunos. É o que forma gigantes.
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