Autoridades chinesas foram avisadas
de que o novo coronavírus poderia se espalhar entre os seres humanos no
início de janeiro, mas não informaram o público por uma semana, segundo
uma denúncia revelada ao programa Panorama, da BBC.
O professor
Yuen Kwok-yung, de Hong Kong, alegou ter alertado o governo em 12 de
janeiro sobre a suspeita de transmissão humana da covid-19, mas seus
avisos só foram divulgados uma semana depois, em 19 de janeiro.
Yuen,
que ajudou a identificar um surto de Síndrome Respiratória Aguda Grave
(Sars, na sigla em inglês) em 2002, diagnosticou uma família de sete
pessoas com o novo coronavírus em Shenzhen, a 1,1 mil quilômetros de
Wuhan, o primeiro epicentro da pandemia.
Apenas alguns membros da família estiveram em Wuhan,
o que acendeu o alerta sobre a natureza infecciosa do vírus. Yuen disse
que informou imediatamente Pequim.
A revelação contradiz
a versão oficial do governo chinês. As autoridades de saúde daquele
país sempre afirmaram ter prezado pela transparência e que fizeram um
anúncio público assim que tiveram evidências claras sobre a transmissão
do coronavírus entre humanos.
A China foi criticada por sua resposta inicial ao
surto e por reprimir um médico que tentou alertar colegas sobre o vírus
no final de dezembro. Li Wenliang morreu após tratar pacientes com
covid-19.
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China foi criticada por sua resposta inicial ao surto e por penalizar um médico que tentou alertar colegas sobre o vírus no final de dezembro; ele morreu após tratar pacientes com covid-19 |
Esse anúncio, de que um vírus misterioso parecido à Sars
estava sendo transmitido entre humanos, só aconteceu em 19 de janeiro,
em meio a um dos períodos de viagem mais movimentados do ano, quando
milhões de passageiros embarcam em trens e aviões para a comemoração do
Ano Novo lunar.
Destruição de provas
Segundo Yuen, evidências físicas foram destruídas e a resposta do governo chinês às descobertas clínicas foi lenta.
Além
de esconder o fato de que a doença poderia se espalhar entre humanos,
médicos e cientistas teriam sido instruídos por Pequim a permanecer em
silêncio sobre a situação.
Mesmo assim, eles tentaram alertar um ao outro sobre a gravidade do novo coronavírus - e receberam ordens para parar.
Li Lanjuan, da Escola de Medicina da Universidade de
Zhejiang, na China, foi uma das primeiras especialistas convocadas pelo
governo chinês após o surto inicial de coronavírus.
"Anunciar que
o coronavírus poderia ser transmitido entre humanos antes de isso ser
confirmado teria causado pânico entre a população. Somente depois de
termos verificado os fatos poderíamos divulgar as informações ao
público", disse ela à BBC.
O embaixador da China no Reino Unido, Liu Xiaoming, também defendeu as ações de seu governo nos primeiros dias da pandemia.
"Quando
você está lidando com algo perigoso, sempre existe o risco de entrar em
pânico - é preciso garantir que não haja pânico."
'Acobertamento'
Em 12 de janeiro, casos de coronavírus haviam sido diagnosticados em Shenzhen, a milhares de quilômetros de Wuhan.
Foi nesse momento que o professor Yuen Kwok-yung, da Universidade de Hong Kong, foi convocado para ajudar.
"Sei que o vírus estava se espalhando de forma muito eficaz. Se você não corre contra o tempo, está com um grande problema".
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Yuen Kwok-yung alegou ter alertado o governo em 12 de janeiro sobre suspeita de transmissão humana da covid-19, mas seus avisos só foram divulgados uma semana depois |
Quando
chegou a Wuhan, Yuen visitou o mercado onde se acredita que os
primeiros casos de covid-19 infectaram humanos - e ficou preocupado com o
que viu.
"Eles me disseram que o lugar estava muito sujo, com urina e fezes de animais, ratos correndo."
Mas o mercado havia sido fechado três semanas antes e
completamente desinfetado. Como resultado, nem todas as amostras dos
animais vendidos lá foram colhidas.
"Quando fomos ao mercado, não
havia nada para ver porque estava limpo, a 'cena do crime' já estava
alterada, portanto não pudemos identificar nenhum hospedeiro que tivesse
potencial para transmitir o vírus a humanos."
Ele também alegou
que as autoridades não quiseram dar explicações quanto ao número de
pessoas infectadas e se a equipe médica teve contato com o vírus.
"Suspeito
que eles estavam fazendo algum tipo de acobertamento localmente em
Wuhan. As autoridades locais deveriam transmitir informações, mas não
fizeram isso tão rapidamente quanto deveriam. Se eles tivessem feito
isso mais rápido, esse desastre seria 100 vezes menor", acrescentou.
Yuen
disse que chegou a alertar o governo chinês em 14 de janeiro sobre a
possível transmissão de coronavírus entre humanos - mas os governantes
não deram a atenção devida.
Em meados de janeiro, milhões de
chineses estavam se preparando para viajar durante o maior feriado
nacional do país, o Ano Novo Chinês.
Somente em Wuhan, 5 milhões
de pessoas deixaram a cidade para visitar familiares e amigos - e o
governo não fez nada para detê-los.
Matthew Henderson, diretor do
Centro de Estudos sobre a Ásia da Henry Jackson Society, um centro de
estudos sediado no Reino Unido, disse à BBC: "Eles deveriam ter alertado
a população Wuhan, mas não fizeram isso. Permitiram que as pessoas
viajassem do local que sabiam se tratar do epicentro da epidemia".
Já
Andrew Tatem, professor da Universidade de Southampton, também no Reino
Unido, que estudou os dados de celulares em Wuhan, acrescentou: "Isso é
equivalente ao nosso Natal e é a maior movimentação de seres humanos do
planeta".
E aqueles que deixaram Wuhan não estavam apenas viajando pela China, estavam fazendo viagens pelo mundo.
Em
18 de janeiro, a China alegou ter apenas 45 casos confirmados de
coronavírus, embora especialistas britânicos calculem esse número em
mais de 4 mil.
A professora Li recomendou o confinamento e ainda diz acredita que o governo chinês agiu no momento certo.
"Foi quando a epidemia em Wuhan ameaçou todo o país, então o momento (para agir) foi correto."
No entanto, o professor Tatem acredita que se a
China tivesse agido antes, o mundo poderia ter visto um resultado muito
diferente.
"Se as mesmas intervenções implementadas em 23 de
janeiro fossem implementadas em 2 de janeiro, poderíamos ter observado
uma redução de 95% no número de casos."
A China diz que menos de 5
mil pessoas em seu território morreram devido à covid-19, mas
especialistas acreditam que esse número pode ser maior.
Ao redor do mundo, o coronavírus infectou 16 milhões de pessoas, das quais mais de 650 mil morreram. (BBC News Brasil)
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