
Filhos são criados para irem embora
e, eu sei- eu nunca voltei-, não costumam voltar para casa. Os meus,
por artes da vida, foram estudar em Campinas. Primeiro, o último, e por
último, o primeiro. Todos sabem que filhos são grandes quando presentes e
enormes quando se ausentam e as paredes apenas emolduram a memória.
Eles vão com a naturalidade com que Pelé enganou o goleiro uruguaio com o
corpo, no maior lance do futebol de todos os tempos, e nos deixam
perplexos e perdidos em afazeres domésticos, erguendo cordilheiras de
isopor que nos protejam das saudades.
Agora, com a quarentena
do fim do mundo, estamos mais isolados. Eles lá; eu, aqui. Os aviões no
solo. O vírus acima de todos. No começo, passava o dia recomendando
máscara, álcool gel, e distanciamento social, mas eles não entendem a
preocupação. No segundo mês sugeri que continuassem doando a gorjeta
aos motoboys, mas sem pedir tanto comida nos aplicativos, essa invenção
de Deus e do Diabo, em um consórcio de intenções.
No terceiro
mês do diário de bordo estelar me contentava em pensar que a força com
eles, estaria, e tudo ia ficar bem. Algumas vezes, rezei escondido para
que fossem protegidos, que pandemia é temor pouco racional. Noutras,
praguejei, que a vida não pode ser cancelada, e que não foi a coisa
certa deixá-los ir tão cedo, mas tô ligado que isso não tem nada a ver,
véi, me diriam eles nessa língua similar ao português que os jovens
usam.
Então, o tempo foi fazendo as coisas que o tempo sempre
faz, mesmo nesse ano que nunca aconteceu, e vieram os aniversários.
Primeiro o dela, que é a última; por último, o dele, que é o primeiro. E
estivemos distantes, por proteção. Nós, a eles; eles, a nós, como tem
de ser. Conformado e distanciado, me contento em esperar os sinais de
vida: que meu filho grave algo em sua guitarra, para um garoto que
acreditava nos Beatles, como eu; que minha filha mande mensagem dizendo
que perdeu de novo o cartão, o que a deixa sem respirar. Enfim, qualquer
sinal do planeta deles na sua órbita natural, para o meu, na sua órbita
confinada.
A pandemia nos trouxe distâncias demais, palavras
fragilizadas, e cenas impedidas de acontecerem, para milhares de pais.
Penso neles nessa madrugada em que o sono não vem. Cansado, imagino que,
se eu deitar, e apertar bem os olhos com força, talvez possa
reencontrá-los naquele sonho para continuarmos pedalando à noite
naquelas ruas levemente frias, da última vez. O pensamento me abraça.
Vou dormir. Não se assustem se alguém os acordar, aviso. Sou eu. Vai
dar certo, dessa vez.
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