domingo, 27 de dezembro de 2020

A seresta do bonitão Zé Pequeno

        Não era alto, daí o apelido “Zé Pequeno” e se feio não era, também não era bonito, mas se achava belo e “dava em cima das garotas”. Cabelo liso, cheio de brilhantina Glostora,  que era produto da moda, um bigodinho fino e injustificável, até porque perdera dois dentes superiores e como tinha o habito de fechar o olho direito quando falava, nesses  momentos parecia um pirata saído dos filmes de aventura que a rapaziada assistia, religiosamente, nas matinés de domingo do saudoso Cine Teatro Iris.

Achava que era bom em tudo: na  bola, na bicicleta, ai se exibia pedalando, sem colocar as mãos no guidão; na pedrada, era exímio em derrubar  manga e caju com uma pedra; nas lagoas, nadava bem; no sinoker era  bom no taco, mas se achava incomparável no namoro. A coragem ou desinibição que faltava  aos outros, para abordar uma garota, sobrava nele.

Com seu olhar de pirata, emoldurado pelo bigode de Clark Gable, ia fundo e sempre arrumava uma garota. Assim descobriu um pensionato com sete ou oito garotas oriundas de outras cidades que vieram fazer o curso de Magistério no Instituto de Educação Gastão Guimarães, referência no interior da Bahia naquele tempo. Ele “metera conversa” em uma bela morena que estava no pensionato e dentre outras coisas garantiu que era cantor. ”Vou fazer uma seresta para você”. Foi como chiclete na sola do sapato!

No sábado mandou preparar dois frangos com farofa, comprou três garrafas de refrigerante Poty,  feirense da gema, chamou a rapaziada, que se reunia todas as  noites sob a  marquise  da padaria e soltou o “ordinário marche” em direção ao pensionato. Tomou lugar no comando, ao lado de Fábio que tocava violão e cantava. Mais atrás divididos em duas linhas seguiam: Lourinho, Geraldo,  Beiju, Jessé, Américo  e Toinho.

Essas duas linhas tinham a missão de transportar os frangos, os refrigerantes, facas de mesa, papeis, copos e duas latas de quitute, que haviam sido incorporadas ao banquete. Um dos componentes dessa “missão diplomática” era o lídimo responsável por conduzir, cuidadosamente, algumas flores surrupiadas de jardins da vizinhança e que seriam ofertadas, pelo  cavaleiro à  sua princesa.

E tudo corria  bem até que Jessé sugeriu que Zé Pequeno fosse cantando, ensaiando para a seresta e assim, enquanto Zé, com sua voz de “ taboca rachada” mandava Boneca Cobiçada, Deusa do Asfalto, Alguém me Disse, o Rouxinol, a Volta do Boêmio e coisa e tal, para desespero de Fabio, que nunca encontrava um tom para ele, a rapaziada traçava os dois frangos em ritmo acelerado.

“Vamos começar a seresta”, sinalizou Zé Pequeno em frente ao pensionato. Logo janelas foram abertas e cabeças apareceram  dentre elas os longos cabelos claros de Gisele. Depois de arranhar miseravelmente canções de Nelson Gonçalves, o ‘irresistível’ galã foi até à janela levando flores para sua pretendida  e amigas e fez a inevitável pergunta “Vocês aceitam frango com refrigerante?’’ .Uma bela oferta  prontamente aceita. De volta ao grupo Zé Pequeno verificou que restavam apenas alguns ossos e um pouco de refrigerante. A situação foi salva pelas duas latas de quitute e o testemunho de Geraldo, confirmando a brincadeira da turma. Ainda bem         que Zé Pequeno não perdeu a namorada, mas decidiu nunca mais fazer uma seresta com aqueles amigos. A exceção de Fabio, todos levaram gongo, foram reprovados como seresteiros!

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