segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

O primeiro finito e o triunfo da esperança

Diz uma velha piada que o segundo casamento é um triunfo da esperança sobre a experiência. A espécie humana já tentou dar um game over em si mesmo, com epidemias- aceitas como destino e sobre as quais se tinha saber limitado-, com duas guerras mundiais, a calça saruel, e uma guerra fria com potencial de extinção nuclear. Só não chegamos lá porque faltou quem disparasse o primeiro míssil atômico- inibido, talvez, por não ter a quem contar depois que foi ele que apertou o botão- afinal, conhecendo a natureza humana, sabemos que isso esvazia qualquer sentido de tudo. É como ter um caso com a Scarlet Johansson numa ilha deserta e não ter amigos para tirar uma onda. Melhor ela nem se oferecer.
 
A verdade, no entanto, é que somos fadados a extinção, tanto quanto os dinossauros, os neandertais, os erectus (as mulheres estão comprovando isso), e os coalas. Toda espécie é finita e biologicamente destinada a extinção, seja pela incapacidade de adaptação, autodestruição, ou pelo fim do planeta. Esse azul deixará de existir, inevitavelmente, no dia que o sol amanhecer de saco cheio do desprezo e desligar o aquecedor ou um novo meteoro resolver vir depois de ouvir sofrência musical em todo volume na vizinhança, uma noite inteira, e nos arrebentar cumprindo a profecia de voltarmos ao pó. Nossa confiança na perpetuação da Via Láctea ultrapassa qualquer bom senso astronómico.
 

Todas as tentativas anteriores de extinção da espécie- exceto o dilúvio- sempre foi limitada pelo distanciamento geográfico, ou incapacidade de disseminação do contágio. Assim, sempre havia grupos ou populações a salvo, que ajudariam a resgatar os Beatles, Gonzaga e Beethoven. Dessa vez, não. Mais do que diante de uma pandemia, estamos diante de um limiar, um novo dilúvio, uma divisão de eras em nossa trajetória como espécie, na terra. Ainda que a ciência esteja sendo majestosa em erguer nossa Arca de Noé, vacinal, acabamos de ser sinalizados de nossa condição humana e de sua imensa fragilidade.
 
Vinda de laboratórios- nossos sapiens não cansam de jogar dados com o universo- ou da natureza, a próxima pandemia poderá ser mais contagiosa e mortal- e será. E, talvez, não tenhamos tempo de responder à altura, como agora, em que estamos superando o nosso primeiro finito.
 
Dessa vez não restaram territórios sagrados, nem humanos intocados. Fomos, todos, vítimas e estivemos visíveis, nus e alcançáveis. O que vimos, lemos, e ouvimos, no entanto, deixa claro que somos a nossa ameaça e não estamos preparados para tempos adversos e coletivos. Temo que o aviso não tenha sido o bastante e outros finitos nos faça cumprir a sentença biológica.
 
O alerta foi feito e a rota precisa ser mudada. Não podemos confiar sempre no triunfo da esperança.

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