quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Goleiros, esses injustiçados

 “Você não sabe jogar. Vai pegar no gol”. Quantos garotos já não ouviram essa frase? Hoje isso mudou e os goleiros são mais técnicos, mais especializados. São treinados para saber sair jogando com as mãos ou com os pés, recebem orientações técnicas sobre como orientar os colegas da defesa, e mais um monte de coisas. Porém, não menos injustiçados. O folclore popular sentencia que “goleiros são tão amaldiçoados que onde pisam não nasce grama”. Pode ser um “Senhor Goleiro”, mas uma falha pode até por fim a uma carreira promissora.

         Eu tive um colega de trabalho que sonhava em ser goleiro profissional. E conseguiu. Chegou a ser reserva do excelente Andrada no Vasco da Gama. Ele era grandalhão e tinha um nariz de Juca Chaves. Um dia, batendo um “baba” com os amigos, dividiu uma bola no chão com um atacante, os dois se enroscaram e o dedão do pé do atacante ficou preso numa das narinas dele. O jornalista Dimas Oliveira, era goleiro dos babas entre jornalistas. Não se pode dizer que fosse um grande goleiro, mas quem não tem tu, vai com tu mesmo. Certo dia, foi promovido um baba entre Funcionários do jornal Feira Hoje e integrantes do grupo literário Hera, que tinha um excelente time. José Carlos Teixeira, que era editor do jornal, mas era intelectual, resolveu torcer contra o time do Jornal. E tentou convencer Dimas, goleiro do jornal, a facilitar as coisas para o time do grupo Hera. Isso feriu os brios de Dimas e naquele dia ele “fechou o gol”, e o time do jornal venceu o jogo por 1 X 0.

         Quando morei na cidade de Jequié (Ba),  conheci o dono do Bar Besouro, que era o apelido do dono, um sujeito grandalhão, boa praça, que havia sido goleiro da Associação Desportiva Jequié, equipe que chegou a disputar a primeira Divisão do Campeonato Baiano. Segundo o gozador oficial da cidade, Osvaldinho, que era tesoureiro da Câmara Municipal, “Besouro” (Biza para os íntimos), tinha saído da sua cidade natal e estava indo para São Paulo tentar a sorte, quando o dinheiro acabou e ele teve que descer do ônibus em Jequié. Sem conhecer ninguém na cidade, ele buscou ajuda com o pároco local que o acolheu e ficou arrumando alguns serviços (bicos), pra ele ganhar algum dinheiro. Mas ele não tinha uma profissão. Devido ao seu tamanho e aquelas mãos enormes, o padre conseguiu que ele fosse treinar como goleiro no time do Jequié. Não era um grande goleiro, mas dava pro gasto, e foi integrado ao time como reserva. Nervos fracos, quando tomava algum gol ficava desestabilizado emocionalmente e, para tentar se acalmar, pegava a bola no fundo da rede e vinha apertando ela com as mãos e dizendo a si mesmo: ‘alma, Biza. ‘alma Biza.

         Nos anos 80 a Federação Baiana de Futebol resolveu programar alguns jogos do Campeonato Baiano de Futebol para as manhãs dos domingos, a partir das 11 horas. E foi assim que eu e Maura, resolvemos ir assistir a um jogo do Fluminense de Feira contra o Atlético de Alagoinhas, Joia da Princesa. Bola vai e bola vem, já perto do final do segundo tempo, o goleiro, que era o reserva, se machucou e teve que ser substituído pelo titular, Mundinho, que estava no banco com o braço esquerdo enfaixado por conta de uma luxação. O Fluminense vencia por 1 X 0, e quase antes do apito final o juiz marcou um pênalti contra o Fluminense. O jogador do Atlético foi lá, bateu o pênalti e Mundinho defendeu, justamente com o braço enfaixado. O jogo terminou, o Fluminense ganhou e o Mundinho ganhou uma fã, porque a partir daquele dia Maura passou a torcer pelo Fluminense e ser tiete de Mundinho.

         Mas a estória mais incrível sobre goleiros envolve Andrada, do Vasco. Jogavam Bahia e Vitória, e Andrada era goleiro daquele timaço do Vitória, que tinha Osni, Mário Sergio, entre outros craques. No Bahia, o ídolo era um zagueiro, Navarro, que como Andrada, era argentino. Durante o jogo, Andrada passou mal, desmaiou, e foi substituído. No dia anterior, os jornais da capital estampavam a manchete sobre Navarro, que estava machucado: “Mesmo Machucado, ídolo fica no banco para dar força aos colegas”. Com a saída do Goleiro ídolo, a moral dos jogadores do Vitória baixou, a defesa se desestabilizou e o Bahia ganhou o jogo e o título de Campeão Baiano.

         Muito mais tarde, quando cobria esportes para o Jornal Feira Hoje, vim saber através de jogadores o que realmente acontecera naquele dia. Segundo eles, Andrada era gay, e Paulo Maracajá, uma raposa felpuda e ardilosa, era diretor de Futebol do Bahia, descobriu isso. E mais ainda, descobriu sobre a “paixão” de Andrada pelo conterrâneo. E foi justamente por isso que o trouxe para jogar no Bahia. Navarro não era um bom jogador, e só atuava em jogos de menor importância, sendo substituído quase sempre. Mas, manipulando a imprensa e a torcida, Maracajá conseguira transformá-lo em ídolo da torcida. No dia daquele jogo, ele mandou Navarro, mesmo machucado, ficar no banco, de onde encarava e jogava beijinhos para Andrada, que não resistiu e desmaiou.

         Naquele dia a esperteza de um  dirigente superou a técnica de uma equipe. 

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