domingo, 20 de dezembro de 2020

Virar lagartixa nunca mais !

 Paturi era a cachaça preferida, tinha propaganda nas rádios e adeptos em cada bodega, dispostos a dizer sim, no caso de uma eleição para a escolha da melhor caninha da cidade, sem necessidade de segundo turno. Aliás segundo turno não existia e o melhor mesmo era eleito pelo povo “de prima” como deveria ser até hoje. Dois turnos só no futebol baiano, que já chegou a ter três turnos ocupando quase o ano todo, hoje é disputado em dois meses e já tem quem queira acabar com o campeonato.

“Máro de Elíso” na verdade Mário filho do velho Eliseu era um desses sujeitos que nascem fortes, até de forma injustificável, olhando-se para o lado paterno. Trabalhador nato, pegava no pesado sem fazer cara feia e não fazia escolha: capinar, plantar, fazer um roçado, correr atrás de gado, carregar mercadorias o que fosse ele estava lá pronto. Não tinha “lero-lero”, como se dizia então.

E como “não existe bom sem defeito” o dele era uma branquinha, que descia fácil, leve como água de fonte, e se fosse Paturi então, ficava cheio de inspiração! Nunca criara caso, mas naquele dia na venda de “Peito de Aço”, homem sério e respeitador, passou dos limites e virou Flashes Gordon, Jim da Selva, Mandrake, Tarzan e outros inesquecíveis heróis das revistas de quadrinhos.

No auge da décima primeira ou décima segunda bicada, ressuscitou o espírito do homem das cavernas pegando um pesado tronco de madeira que ficava em frente da bodega e onde os fregueses sentavam. Diante das exclamações de assombro “palmeou” Edinho, um bom mecânico, como se fosse um boneco e depois de colocá-lo no chão e “bater mais uma”, transformou-se em “uma lagartixa”, resolvendo escalar as paredes da venda.  

Nem mesmo o apelo coletivo lhe demoveu da ideia. Começou pela janela e enfiando as unhas na parede, ainda subiu cerca de meio metro antes de estatelar no chão, batendo no balcão e nas prateleiras. No chão, quase desmaiado não percebeu o estrago que teria de pagar. Foi a água que passarinho bebe e ele não bebia,  jogado em seu rosto por “Peito de Aço”, que evitou o nocaute.

Foi levado para casa do velho Eliso e no dia seguinte, já praticamente recuperado, embora bastante empenado, voltou ao ‘”local do crime” para acertar as contas “não era homem de fazer dívidas e fugir do compromisso”, sempre dizia isso. Antônio Bermuda, um dos frequentadores da bodega então questionou “E ai, Máro, ainda vai tomar uma Paturi, ou dessa vez vai parar mesmo?” E ele sem titubear “Nada disso, eu não vou deixar a Paturi. O que eu nunca mais quero é virar lagartixa!”   

 

 

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