segunda-feira, 22 de março de 2021

Crônica de Segunda

 Vida e morte

     Para morrer, basta que estejamos vivos. Pensando assim, passei a minha vida sem me preocupar muito com a morte. Aliás, ela passou a ser a única certeza que tenho desde que adquiri consciência da minha existencia. Tudo o mais é inconstante, imprevisível, imponderável. Já tive muitas outras certezas na vida, mas todas elas ruíram fragorosamente diante de evidências esmagadoras. Percebi então que devemos estar preparados para tudo, pois tudo muda, a todo o momento, e de nada vale termos opiniões e conceitos formados, pois logo a vida nos fará modificá-los. Como disse Fernando Pessoa, “navegar é preciso (exato), viver não é preciso”, não é matemático, é inexato. Há muitas escolhas, muitas rotas para se seguir.

         Uma coisa eu percebi. As pessoas temem ou não a morte, de acordo com o modo como vivem. Por exemplo: uma pessoa avarenta, vaidosa, prepotente, tem verdadeiro pavor da morte. Isso porque não dedicou parte do seu tempo para refletir sobre o propósito da nossa existência. Será que estamos aqui só para nascer, beber, comer, dormir, trabalhar, brincar, envelhecer e morrer?

         Pessoas como estas não acreditam em Deus, não acreditam numa outra vida após a morte, não acreditam num propósito para suas existências. Vivem apegadas a bens materiais, querem acumular riquezas e poder, e têm verdadeiro pavor da morte. Vivem infelizes e preocupadas, com medo de perder suas posses, sua saúde, sua juventude. Temem a velhice e a morte. E assim passam a juventude trabalhando para juntar dinheiro. E quando envelhecem gastam o dinheiro que ganharam para recuperar a saúde perdida. Vivem como se nunca fossem morrer e morrem com se nunca tivessem vivido.

         Já aquelas pessoas que vivem suas vidas trabalhando para ganhar o pão de cada dia, dedicando parte do seu tempo livre ao lazer, à família, aos amigos e à reflexão sobre suas existências, não têm medo de envelhecer ou morrer. Podem, quando muito, sentir certa apreensão quando ao desconhecido, o que é muito natural. Mas, medo, pavor mesmo. Não!

         Essas pessoas vivem vidas simples, vivendo um dia a cada vez, sem muitas preocupações com o futuro que, segundo a sabedoria popular “a Deus pertence”. São pessoas alegres, amigas e solidárias entre si, cientes de que envelhecerão e morrerão um dia, mas nem por isso, desesperadas. São pessoas felizes. Como disse John Lennon: “A vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos para o futuro”.

         Então, o que é viver? Diria o poeta; “É não ter vergonha de ser feliz, e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz”. Viver é estar de bem consigo mesmo e com os outros, de bem com a vida, em paz consigo e com Deus.

         Mesmo nos momentos mais difíceis da vida, quando bate aquela impressão de que não vamos conseguir vencer os desafios, estas pessoas não desistem. E mesmo derrotadas naquela batalha, sabem que outras virão e que, a derrota as tornou mais fortes e preparadas para outras batalhas. Ao fim de suas vidas, partirão com a certeza de que combateram o bom combate, e que a missão foi cumprida.

NE: Publicada em 2015, no livro Mas eu lhe disse...

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