segunda-feira, 29 de março de 2021

Crônica de segunda

 Medo da morte

  
Um dos maiores medos que os seres vivos sentem é o de morrer. Para um animal primitivo isso é natural. Mas, para um ser humano isso é inaceitável. Porque desde que nascemos começamos a morrer. Ainda crianças tomamos conhecimento desta realidade, e por toda vida vemos pessoas nascendo e morrendo. Umas mais cedo, outras mais tarde, de diversas causas, mas sempre morrendo. E sabemos que morreremos também. Então responda: De que adianta ter medo? A resposta, de um modo geral, é porque se quer viver mais tempo. Mas eu nunca vi ninguém viver mais tempo porque sentiu medo da morte. Tem gente que não viaja de avião porque tem medo de que ele caia. Mas vi muita gente morrer porque um avião caiu em cima delas. Outros não entram na água nem viajam de barco porque tem medo de morrer afogado. Vi muita gente que nunca pôs um pé numa piscina morrer durante uma inundação. Não bebo isso, não como aquilo, pratico esportes porque quero ter saúde perfeita. Vi muita gente morrer cheia de saúde.

         É hora então de se perguntar: O que é a morte? É o fim de tudo? Morreu acabou? Não é possível. Se a morte fosse o fim, que propósito teria a nossa existência para o criador? Quando penso nisso lembro da minha infância, quando eu via espíritos e não comentava com ninguém, com medo que dissessem que eu era maluco. Tentei algumas vezes, mas ninguém me deu atenção e ainda riram e reclamaram de mim por estar “inventando coisas”. Cresci e não via mais espíritos, exceto algum vulto, às vezes. E nessas horas sentia uma sensação estranha, e meus pelos se arrepiavam embora eu não estivesse com frio ou medo. Percebi então que naqueles momentos, eu estava na presença de algum espírito. Como desde a adolescência eu já frequentava centros espíritas e terreiros de candomblé, tive acesso a algumas experiências e passei a ler sobre o assunto. Dali em diante, tive a certeza da existência de um mundo espiritual e que a morte não era o fim de tudo, mas apenas uma passagem para outra vida.

         Mas, por que nem todo mundo via espíritos? Porque nem todo mundo é dotado dessa capacidade. É como um dom. Nem todo mundo sabe jogar bola, desenhar, tocar instrumentos, cantar, esculpir. Alguns são bons com números, outros com letras, outros tanto são hábeis em trabalhos manuais. Assim é a mediunidade, nem todos a possuem. Alguns têm um pouco, outros tem muita. E há diversas formas de mediunidade. Há aqueles que vêm os espíritos e até conversam com eles (videntes), há os que apenas os ouvem (auditivos), os que sentem suas presenças (sensitivos) e há aqueles que os incorporam, ou seja, “emprestam” o corpo momentaneamente a um espirito para que ele interaja com os vivos.

         Tendo conhecimento de todas estas coisas e outras mais, a respeito do mundo espiritual, não me restam dúvidas de que a morte é apenas uma passagem, e a única certeza que tenho desde que me entendo por gente, é a de que um dia vou morrer. Mas, como disse antes, isso não me assusta. Morremos quando chega a nossa hora e não vivemos um segundo a mais porque tivemos medo de morrer. Mas, devemos viver perigosamente, nos expondo a riscos desnecessários demonstrando que somos corajosamente burros? Claro que não. Ensinaram-me uma coisa ainda criança (e eu, irresponsavelmente, várias vezes não levei em conta) de que “todo exagero é pernicioso”, ou como diz o povo, “tudo demais é sobra”. Equilíbrio, meus irmãos, é a chave de tudo. A minha vida é preciosa para mim e eu sempre a vivi intensamente. Fiz o que queria fazer, fui quem eu quis ser, cometi erros e acertos, fui ficando mais prudente com o passar dos anos (adquiri muita experiência e conhecimentos na viagem). E com mais de 60 anos, cumprida mais da metade da jornada, a morte não me assusta. Aliás, nunca me assustou. Mas não a procuro, ela que venha a mim, quando o criador assim o determinar. Eu estarei lá. Pronto. Sem medo ou desespero.

NE: Do livro Soltando as Amarras, escrito em 2015.

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