segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Crônica desegunda

Cosme Santos o sincero

                Cosme é médico. Simpático, amigo, humano e muito sincero. Diz o que pensa, doa em quem doer. Certa vez, trabalhando num hospital, onde uma enfermeira havia sido nomeada diretora, ele deu um claro exemplo da sua sinceridade.  É que a moça, vaidosa, gabava-se da sua administração por conta dos elogios gratuitos que recebia dos subalternos e puxa-sacos.

         Um dia ela caiu na besteira de pedir a opinião de Cosme. Dizia ela: “Cosme, você é único que ainda não deu sua opinião sobre o meu trabalho à frente do hospital”. Ele não se fez rogado e disse: “Você como mulher, é gostosa. Como enfermeira, é passável. E como administradora, um cocô.” Ela nunca mais falou com ele.

         Ele estava de plantão na emergência de um hospital, quando chegou um rapaz vítima de acidente de moto. O rapaz, que pilotava trazendo o capacete pendurado no braço, estava em estado grave, com traumatismo craniano. Chateado, por saber que o rapaz não usava o capacete, Cosme foi saindo do centro cirúrgico e passava pela sala de espera, quando a mãe do rapaz o abordou: “E aí doutor, como é que ele está?” Aborrecido, Cosme respondeu: “ O cotovelo dele está ótimo, mas, a cabeça está uma merda.”

         O único defeito de Cosme (se é que isso é defeito), é que ele é chegadíssimo em mulher. Pra ele não importa se é solteira, casada ou viúva. Vestiu saia, não é escocês nem padre, é com ele mesmo. Mas, como esse negócio de andar com mulher casada sempre acaba em rolo, ou coisa pior, uma vez ele teve que se esconder às pressas embaixo da cama de um casal. A espera foi longa e ele, cansado, pegou no sono. O pior é que ele ronca, e acabou acordando o marido traído. Não morreu porque não era o dia dele, ainda.

Cosme andava saindo com uma comadre sua, mulher de um garçom de restaurante da cidade. Os amigos chamavam a atenção dele, e os amigos do garçom botavam lenha na fogueira: “Sua mulher tá lhe traindo. Abra o olho!” E como um dia a casa sempre cai, um dia caiu. Cosme estava num motel com a comadre, sem saber do tamanho da encrenca que vinha por ai.

Avisado pelos amigos, o garçom foi bater na porta do motel. Na portaria perguntou se o doutor Cosme se encontrava. Ante a negativa do porteiro, ele disse: “Olha, eu sei que ele está aí. Eu trabalho no mesmo hospital que ele. Pode ligar pra ele e dizer que é o Trindade, enfermeiro do hospital que está aqui querendo falar com ele. Trata-se de uma emergência. É caso de vida ou morte.”

O porteiro, temendo ter que carregar uma morte na consciência, ligou para o apartamento de Cosme: “Está aqui um senhor Trindade, disse que é enfermeiro do hospital, e que precisa falar com o senhor, urgente.” Cosme mandou que o deixasse entrar. Enrolou uma toalha na cintura e foi abrir a porta, deixando a comadre na cama. Quando abriu a porta, deu de cara com o compadre. Surpreendido no ato, só teve forças pra dizer:

- “Não é nada disso que você está pensando!”

NE: Publicada no livro Sempre Livre (2010)

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