segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Crônica de segunda

 Lembranças da Pautaria

         Quando o Zero Hora ainda era um bloco de jornalistas e radialistas, eu adorava participar. Estava sempre na linha de frente das decisões e realizações dos eventos. O primeiro baile pré micaretesco que fizemos, caiu no dia 31 de março, e, por motivos óbvios, foi intitulado como “A Noite da Gloriosa”. Lembro-me que um milico do 35º BI chegou a ligar para o jornal Feira Hoje para nos tirar satisfações sobre o porquê daquele nome.

         No ano seguinte, mudamos o nome do baile para “A Noite da Pautaria”. Sabe como é, né? Todo jornalista é um “filho da pauta”. Tinha (ou ainda tem) um bloco carnavalesco em Salvador com este nome. Explico, para os não iniciados, que todo repórter antes de sair para colher notícias na rua, recebe uma “pauta” com informações sobre as matérias que ele deve abordar. Daí que somos todos “filhos da pauta”.

          Coube a mim, compositor temporão, compor a letra da música do baile da “Pautaria”. E ficou assim: “Rebuceteio na noite da pautaria/ e quem é filho da pauta/ tem que ter muita alegria./ Eu faço texto, faço foto e gravação/ diagramo a porra toda/ para a próxima edição./ Já bem cansado, quando chega o fim do dia / encho a cara de cachaça e caio na pautaria.” Sucesso absoluto, mas nunca recebi um tostão do Ecad por isso.

         Foram muitas alegrias, brincadeiras e porres homéricos, que nos fizeram felizes por alguns momentos. Mas a minha “Noite da Pautaria” inesquecível foi a que deu maior rolo. Naquela época, eu estava na academia de Judô e ainda era faixa azul, ou seja, estava ainda no segundo estágio. E lá havia um judoca que era faixa roxa, ou seja, faltando apenas dois exames para chegar a faixa preta. Mas o cara era meu amigo (ainda bem). Era meu amigo, mas não do fotógrafo Reginaldo Pereira, que também é meu amigo.

        A coisa começou quando o judoca quis entrar sem pagar, alegando ser alguma espécie de autoridade, e foi barrado por Reginaldo, que estava na portaria. Quando eu vi que ia dar confusão, eu me aproximei e comecei a regular os dois, tentando evitar a briga. A coisa já ia acalmando, quando o judoca resolveu encher Reginaldo de desaforos. Eu já ia argumentar quando vi passar, zunindo pelo meu ouvido, uma mão que acertou um espetacular soco no queixo do judoca. Ao mesmo tempo, vi um dente voando. Pulei na frente e abracei o cara pedindo que, pelo amor de Deus, não acabasse com a nossa festa. O cara dava dois de mim, três de Reginaldo, e eu ali, tentando domar a fera. Senti-me um autêntico peão de rodeio, grudado no pescoço do cara e ele corcoveando. 

         Quem bateu nele foi um sobrinho de Reginaldo que não aguentou ver o tio sendo destratado e resolveu agir, sem saber o tamanho da encrenca em que estava se metendo. O resultado disso, é que eu passei o resto da noite tentando convencer o judoca a não massacrar o rapaz, ao tempo em que Maura buscava um jeito de tirá-lo da festa, sem que ninguém percebesse (o que foi feito por uma janela da cozinha), evitando-se assim um massacre.  

NE: Publicado no livro Sempre Livre (2010)

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