O lagostim-mármore é um crustáceo de 6 cm
com oito patas, duas garras e um problema demográfico: toda a população
consiste em fêmeas virgens. Isso não as impede de botar dúzias de ovos
regularmente, todos contendo bebês. Esses bebês também são fêmeas, que,
depois de maduras, vão gerar a própria prole de maneira assexuada.
Assim, a população cresce exponencialmente, como um vírus, sem jamais
precisar de um macho.
Essa infestação começou em 1995 – quando alguns lagostins da espécie Procambarus fallax, natural dos pântanos da Flórida, foram levados à Alemanha como pets de aquário. Graças a um óvulo ou espermatozoide anômalos, uma fêmea do fallax nasceu triploide,
isto é: com três cópias de cada cromossomo, em vez das duas normais.
Essa fêmea alcançou a vida adulta e, quando começou a liberar os
próprios óvulos, eles também saíram triploides. Como já possuem a carga
genética completa, não precisam de pai.
Hoje, vários rios alemães estão tomados pelos
clones. Há colônias na Ucrânia e na República Tcheca. Alguns
lagostins-mármore vivem na água do sistema de refrigeração de uma usina
termelétrica na fronteira da Eslovênia com a Rússia. Levado para
Madagascar, o bicho se espalhou sem querer e virou ao mesmo tempo um
desastre ecológico e uma fonte de proteína valiosa no combate à fome
crônica.
sse é um caso raro de partenogênese – termo técnico
para a capacidade de uma fêmea de se reproduzir por clonagem, sem que
espermatozoides fecundem os óvulos. Além de alguns crustáceos, apenas 22
peixes, 23 anfíbios e 29 répteis são capazes de tal feito. Para
comparar, existem aproximadamente 33 mil peixes, 7 mil anfíbios e 10 mil
répteis sexuados. Entre insetos a tendência é a mesma: de 380 mil
espécies de besouro, só 600 são assexuadas. Entre as plantas
angiospermas, que produzem flores, só 0,1% das cerca de 300 mil espécies
se reproduz sem fazer sexo. O sexo é muito popular na natureza.
Apesar disso, o sexo é um problema monumental. Se um
animal está adaptado à sobrevivência no seu habitat, é mais vantajoso
fazer um bebê clone do que arriscar misturar genes
com os de outro indivíduo – gerando um bebê menos apto. Além disso, o
animal corre o risco de pegar uma DST e de ter um filho com uma DST.
Por fim, para atrair parceiros, ele desperdiça tempo
e nutrientes em ostentações desnecessárias – tipo uma cauda de pavão,
que é custosa e atrai predadores (o mesmo vale para relógios caros e
Ferraris). Tudo isso para transmitir só metade dos genes para a prole, e
gerar metade dos bebês que uma população assexuada gera – afinal, os
machos, que são 50% da população, não engravidam.
Assim, era de se esperar que os assexuados
rapidamente superassem os sexuados em número. É seleção natural: quem
tem mais descendentes domina o habitat e extingue a concorrência. Na
prática, porém, o sexo é claramente o jeito mais vantajoso de se
reproduzir; caso contrário, ele seria a exceção, não a regra.
Normalmente, a seleção natural não precisa de muito
para favorecer uma característica. Uma capivara que fornece só um
pouquinho de cálcio a mais para os dentões ganha uma capacidade
ligeiramente maior de roer (digamos, de 2%). Assim, ela come um pouco
mais, vive um pouco mais e tem mais bebês. Com o tempo, a população é
tomada por bebês de dentes mais fortes. O gene que permitiu esse aumento
se torna onipresente.
Favorecer o sexo é outra história, bem mais difícil.
O biólogo John Maynard Smith percebeu na década de 1970 que um gene que
favorece a reprodução sexuada só consegue se tornar onipresente na
população se a vantagem que ele dá for superior ao prejuízo de 50% na
fabricação de filhotes causado pela existência de machos. 50% é muita
coisa. Se mesmo um traço obviamente benéfico (como dentões) gera uma
vantagem de só 2%, o que dizer do sexo, que logo de cara já parece uma
ideia tão ruim?
No colégio, aprendemos de maneira bastante genérica
que o sexo existe para gerar variabilidade genética. Mas o que essa
variabilidade teria de tão especial a ponto de compensar seu preço, tão
alto? O sexo, é óbvio, não cria novos genes – só mutações fazem isso.
Ele só pode misturar os genes que já existem. E aqui começa a conversa.
Será que misturar genes, por si só, é algo tão importante?
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