segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A cidade que pertence a um país, mas fica dentro de outro


Em 1º de agosto, dia nacional da Suíça, os turistas estavam em polvorosa. Jangadas e canoas cruzavam o rio Reno.
Banhistas pegavam sol nas margens, enquanto, nas ruas quase vazias, um ônibus público passava decorado para as festividades com a familiar bandeira do país.
É uma cena de férias perfeita, exceto por um detalhe: aquela festa do aniversário da Confederação Suíça estava ocorrendo na Alemanha.

"Nosso espírito e coração são suíços", explica Roland Güntert, vice-prefeito da cidade de Büsingen am Hochrhein, um pequeno vilarejo alemão que é inteiramente cercado pela Suíça.
Isso o torna ao mesmo tempo um enclave e exclave, uma curiosidade para o deleite de fãs de esquisitices geográficas, mas que pode soar confuso para outras pessoas.
Um enclave é um território ou parte de um território completamente cercado por outro Estado — um exemplo é a pequena nação do Lesoto, cercada pela África do Sul. Já um exclave é uma parte de um país que fica separada do restante do território. Büsingen cumpre os requisitos de ambas as definições.
A fronteira leste do vilarejo fica a meros 700 metros do restante da Alemanha. E, embora politicamente essa cidade de 1.450 habitantes pertença à Alemanha, economicamente faz parte da Suíça e também opera fora da União Europeia.
Güntert diz, no fundo, que o arranjo de Büsingen é bem simples. "Temos leis alemãs e governo alemão, mas uma economia suíça."
Enquanto Büsingen integra politicamente a Alemanha, a cidade faz parte economicamente da Suíça

Moradores do vilarejo levam uma vida binacional

Em nenhum lugar a divisão é mais evidente do que no restaurante Waldheim. Uma linha pintada no terraço de jantar ao ar livre marca a fronteira internacional.
É possível receber um prato de schnitzel na Suíça e, em seguida, entrar na Alemanha para pegar uma caneca de cerveja do outro lado da mesa.
Ainda assim, para os residentes, ter uma vida binacional inclui contradições e escolhas diárias. Embora o comércio seja normalmente realizado em francos suíços e a maioria dos residentes trabalhe em cidades suíças próximas, eles ainda precisam pagar o imposto de renda da Alemanha — mais alto.
As crianças frequentam uma escola primária local alemã, mas os pais decidem em qual país seus filhos vão frequentar o ensino médio.
Os habitantes de Büsingen têm códigos postais alemães e suíços. Também é possível usar os códigos +49 da Alemanha ou +41 da Suíça para ligar para quem more ali. E o clube de futebol da cidade é o único time alemão autorizado a jogar na liga suíça.
Sarah Biernat vive a 30 minutos dali, em Singen, na Alemanha, e atravessa várias fronteiras internacionais em seu trajeto diário para Büsingen.
Ela não sabia nada sobre a cidade há 11 anos, quando conseguiu um emprego no hotel Alte Rheinmühle, em Büsingen. Em seu primeiro dia de trabalho, teve de dar o troco para um cliente em francos suíços.
"Foi como usar dinheiro de brincadeira para mim", diz ela.
Mesmo uma década depois, a cidade ainda parece ser suíça para ela. "As pessoas soam como suíças. Elas falam alemão de uma forma diferente", afirma Biernat.

Disputa familiar na raiz da situação

Uma linha no terraço do restaurante Waldheim marca a fronteira internacional, tornando possível jantar em dois países ao mesmo tempo
Há uma história curiosa por trás dessa "crise de identidade territorial".
Para Büsingen, o problema começou em 1693, muito antes de a Alemanha existir. O vilarejo estava sob controle austríaco quando uma briga de família por lealdade religiosa levou ao sequestro do senhor feudal de Büsingen, que era católico.
Seus primos o levaram para a cidade suíça (e protestante) de Schaffhausen, onde ele foi condenado à prisão perpétua. Foram necessários seis anos e a ameaça da Áustria invadir Schaffhausen para que ele fosse finalmente libertado.
Algumas décadas depois, quando a Áustria vendeu suas propriedades locais ao cantão suíço de Zurique, ela manteve Büsingen — puramente por despeito, segundo historiadores. "Eles disseram que ela nunca pertenceria à Suíça", diz o vice-prefeito.
Isso fez com que, quando partes do Império Austríaco foram absorvidas pela Alemanha no século 19, Büsingen passasse a fazer parte da nova República.
Os suíços tentaram resolver a bagunça em 1919, quando 96% dos residentes de Büsingen votaram para deixar de fazer parte da Alemanha. Mas Berlim não quis desistir da cidade, porque a Suíça não ofereceu nada em troca.

 

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