domingo, 12 de dezembro de 2021

 

*A propósito de costelas*

 CORRIA O ANO 2016.

Época em que jamais, poderíamos imaginar as reclusões impostas pela pandemia dos dias correntes, quando dois amigos em dominical encontro - sulistas versados em coisas da carne - discorriam sobre o manjar gaúcho por excelência.

 Segundo eles, a costela cosida por muitas horas ao fogo-chão sobrepõe-se às decantadas virtudes da gorda picanha, bem ou mal passada. Sendo costelas o assunto, meu pensamento evocou a figura de Mário Amerino Portugal, amante dos prazeres da carne ‘in latu sensu’, idealizador e patrono da mais importante fábrica de charutos, ora em operação no Brasil.

 Mário falecera em 2014 após purgar seus pecadilhos, muitos dos quais fora eu silente testemunha. Tanto que, na cerimônia de sua cremação, fiz-lhe a elegia, cuidando de proteger as faltas capitais, limitando-me a discorrer sobre as venais. Estas que, segundo a crença, asseguram breve estada no purgatório, com direito a eventuais saídas. Sem tornozeleiras, é claro.

 Prossigamos.

 Meu amigo fora vítima de um AVC, quando se encontrava anestesiado, em função de procedimento cirúrgico cardíaco eletivo. Pasme-se! Eu disse: procedimento eletivo. Por não voltar a si, passadas 24 horas, a tomografia detectou o acidente vascular o qual, como soe acontecer, por não ter sido combatido a tempo, teve inevitáveis consequências. Sequelas que lhe impuseram cadeira de rodas, um lado do corpo quase inválido, fala dificultada, lentidão de raciocínio, amigos sumidos, mulher entristecida, a via-sacra das idas e vindas hospitalares, montanhas de medicamentos, exercícios forçados, hoje bem - amanhã nem tanto.

 O tempo se arrastando.

Aos sábados, religiosamente, vinha para São Gonçalo dos Campos, oportunidade em que sempre o visitava. Afinal, nossa amizade nascera aos anos sessenta quando vim morar na Bahia. E, onde ficam as costelas em tal imbróglio? Esclareço.

 Certa feita, um sábado, dia da semana no passado voltado ao carteado, agora resumido às protocolares visitas, Mário encontrava-se ao leito, descansando de uma sessão de massagem. Desperto, respirava com certa dificuldade, vez que padecia de enfisema. Virando-se à minha chegada, semidesnudo, o lado esquerdo de seu peito, à altura do coração, pulsava de forma inusitada, como eu nunca vira. Sua mulher, prontamente acudiu a meu chamado. Ante minha indisfarçada preocupação, com o volumoso sobe-desce peitoral do amigo, com conformado olhar e discreto sinal de uma das mãos, tranquilizou-me.

 Depois, a um canto, esclareceu. As invasivas cirurgias cardíacas deixavam (e ainda deixam) enorme cicatriz. Para evitá-la, adotara-se técnica inovadora de serrar-se uma das costelas da parte alta do peito esquerdo, possibilitando, assim, pronto acesso ao coração e resultando em cicatriz mais discreta. Entretanto, a decorrência pós-operatória era o anômalo pulsar, oriundo do cordial bombeamento sanguíneo. Foi quando – voltemos ao ‘costelar’ tema – lembrei do paraíso. Terá sido a tal costela, tirada de Adão pelo Poderoso Chefão Celestial para produzir o melhor desfrute carnal da masculina natureza humana?

 Ante a dúvida, remeto-a a quem me ler, despeço-me com aquele abraço.

Não! Não me refiro àquele abraço de Gil, em sua canção endereçada ao Realengo, onde estivera preso pelo governo militar. Menos ainda, àquele abraço para a torcida do Flamengo. O abraço que ora deixo é, simplesmente, o quebra-costelas.

Um abraço ‘especial, de primeira’, bem apertado, amigo e sincero.

Até de repente!



  Hugo A de Bittencourt Carvalho           

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