segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Crônica de segunda

Medo de cobra

         Eu, particularmente, nunca tive medo de cobras. Mas, gosto de vê-las lá, e eu cá. Porém, existem pessoas que a simples menção da palavra “cobra”, se borram todas. E o que não faltam são moleques para pregarem peças a estes pobres coitados. Eu mesmo já peguei uma cobra de brinquedo e coloquei na gaveta de um amigo que eu sabia que tinha pavor de cobras. Entre as mulheres as cobras causam pânico, se bem que algumas delas até se utilizam de cobras para chamar a atenção, como foi o caso da artista Luz Del Fuego.

         Por falar em Luz Del Fuego, me veio à lembrança de um episódio ocorrido dom um amigo, João Jorge Cabeça Branca, que foi passar um fim de semana na chácara de um amigo dele. Depois de uma noite de festa, ele acordou ressaqueado e foi banheiro. Quando já estava sentando ao vaso, foi que percebeu, enrolada em um canto, uma imensa cobra.

         Ele não ficou com medo, ficou apavorado, pois não havia nada à mão para matar a cobra. Antes de sair nu, correndo pela casa, ele encontrou uma pequena pá de lixo. E foi com essa pá que ele conseguiu matar a bicha. Saiu do banheiro com a cobra pendurada pelo rabo e foi jogar o corpo lá no mato.

         Depois ele foi para a varanda e deitou-se na rede meditando sobre o acontecido. Todos na casa ainda dormiam. Lá pelas tantas o dono da casa saiu do quarto. Depois ele percebeu uma inquietação por parte do amigo, que a todos perguntava se alguém tinha visto “Luz Del Fuego”. Quando ele perguntou quem era que estava procurando, descobriu que tinha matado a jiboia de estimação do amigo.

         Não sei o que foi feito do corpo de “Luz Del Fuego”, se foi enterrada no cemitério da família ou se virou um guisado. Mas isso me remete a outro episódio envolvendo cobra. Foi numa viagem que fizemos, eu, o publicitário, já falecido, Edvaldo Maia, e o fotógrafo Guto Cordeiro. Trabalhávamos para a já extinta Revista Panorama da Bahia e seguíamos em direção à região de Monte Santo.

         Quando pegamos uma reta na região de Pedras Altas, ao longe eu vi uma jiboia atravessando a estrada. Eu e Guto começamos a incentivar Maia, que estava ao volante, para que ele passasse por cima da cabeça da cobra que a gente queria comer de ensopado. Só que a gente não sabia do medo que ele tinha de cobra. O medo era tanto que ele ainda até tentou atropelar a jiboia, mas quando chegou perto ele desviou e levantou os pés, batendo com os joelhos no volante com tanta força que quase vira o carro. O resto da viagem a gente foi enchendo o saco dele.

         Na volta, ao chegar em Feira, já na sede da revista, eu, sabendo que o dono, Antônio Gonçalves, tinha também um pavor imenso de cobras, me fiz de desentendido e passei a contar o episódio. Dizia eu para um desconfiado Antônio: “Olha chefe, esse sujeito é muito frouxo. Imagine que a gente agora podia estar preparando um gostoso ensopado e só perdemos por causa da frouxidão dele”. Seu Antônio desconversava e tentava mudar de assunto, mas eu insistia: “Já pensou? Era uma jiboia imensa, dava ensopado para 10 pessoas.”

         Brincadeira à parte, a simples ideia de ser picado por uma cobra não é boa coisa. Aliás, vai de graça aqui uma pequena informação. Ao contrário do que se pensa, não são as cascavéis as maiores vilãs nos acidentes com serpentes. Soube que a boa e velha jararaca é campeã, (ir)responsável pelo maior número de acidentes, inclusive com muitas vítimas fatais.

         Mas, só quem,  pela sensação de já ter sido picado, pode falar sobre o assunto. A primeira coisa que vem à cabeça da pessoa é: vou morrer. Às vezes, o pânico contribui para a aceleração do processo de envenenamento, pois acelera a circulação sanguínea. O recomendado é ter calma e procurar assistência médica o mais rápido possível.

         Eu, certa vez, pescava na chácara de Caguto, quando percebi um temporal se aproximando. Recolhi as tralhas e tratei de sair o mais rápido possível dali, pois sabia que se demorasse, a chuva encharcaria o chão e o carro não subiria a grande ladeira. Consegui sair a tempo, mas ao abrir uma cancela, alguém que estava no carro me pediu para arrancar alguns galhos de pau-de-rato, pois queria fazer um chá. Quando eu puxei os primeiros galhos, veio com eles uma cobra verde que picou a minha mão.

         Teoricamente, cobra verde não tem veneno. Mas doeu e, pelo sim pelo não, eu pisei fundo em busca de socorro. No caminho, porém, existe uma baixada que é cortada por um riacho. Quando eu cheguei no topo da ladeira deparei com uma cena que tirou as minhas esperanças. Um sujeito estava atravessando o riacho a nado, juntamente com um cavalo, e a água já cobria as estacas da cerca.

         Pensei comigo: Tô perdido! O carro não passa e eu vou morrer. Desconsolado, olhei para o lado e vi uma garrafa de Vodca quase cheia. Pedi para  o carona que me passasse a garrafa e fiquei ali, olhando a chuva e bebendo Vodca com refrigerante. Bebi tudo. Se era pra morrer, que pelo menos morresse na farra. Porém, tão rápida quanto veio, a trovoada se foi. O sol apareceu, a água abaixou e consegui passar.

         Já fazia umas três horas que a cobra tinha mordido e eu não estava sentindo nada anormal comigo. Quando cheguei no bar de Louro, eu pensei: Se não morri até agora, não morro mais não. Sentei no bar com a rapaziada e encarquei o dente nas cachaças de folha e cerveja. Cheguei em casa trêbado. Minha mulher disse que eu gemi a noite toda, mas quando acordei no outro dia só vi a mão um pouco inchada e um furinho na palma, no local onde a cobra tinha me mordido. Além de tudo, a miserável era banguela.

NE: Publicada no livro Sempre Livre (2010)

        

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