segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Segunda é dia de CRÔNICA: Maracanã

Na épica batalha entre a opressiva da decoração e os gladiadores do espaço vazio, o segundo levou a melhor durante infância dos filhos. A nossa espaçosa sala era multifuncional, incluindo centro de recreação, estádio de futebol, vila olímpica, acampamento, e, até, área social. O futebol comia solto com o trio esportivo naquele gramado - cerâmica. Eu na defesa - performance era limitada e o infarto uma ameaça - eles no ataque. Como toda várzea, não havia regra, valendo tudo, exceto xingar a mãe - por motivos óbvios.
Sem limite de tempo as partidas eram maratonas de fazer inveja a Netflix, encerradas somente quando alguém com mais maturidade na criação da família dizia que era hora de parar, pois havia aula dia seguinte. Geralmente, meu filho. Todos sabem que linguajar de estádio é próprio e que lá se liberta o hooligan que cada um traz dentro de sim. Assim, quando a mãe invasora cruzou o estádio e ficou no caminho do gol eles bradaram:

- sai, mãe, tu não é trave não, veia.
A partir daí o desrespeitoso apelido ficou estabelecido em dia de jogo, ou seja, todos: trave veia!
Ela passava, eles gritavam: chuta na trave veia.
Tentei evitar. Olha a vírgula, olha a vírgula: é chuta na trave, veia!
Filhos nunca ouvem o pai! Passei a considerar o processo litigioso inevitável.
Havia dois tipos de jogos. Quando a trave veia, ops, a mãe, estava e quando saia. Era a diferença entre um baba de solteiros e casados e a final de Copa do Mundo. O trio se tornava agressivo, os lances ousados. Numa dessas, minha filha que jogava com muito entusiasmo e pouco direcionamento, acertou aquele chute que Pelé tentou fazer do meio campo em 70. A bola pegou força numa curvatura de dar inveja a terra plana - eu e meu filho a gemer em desespero - e a tragédia se consumou com ela batendo no vaso que estava em uma prateleira.
Para dar exemplo, gritei logo: ainda bem que não fui eu!
Atila: nem eu
Luísa: somos um time, pai.
-Sim, filha, mas ser pai é ensinar responsabilidade. Bola alta não podia.
Luísa: ôh, pai.
- Tá bom, filha, vamos dar sumiço nos cacos e explico tudo amanhã.
No outro dia, fizemos horas de silêncio pelo óbito do vaso, até a chegada da comissão de arbitragem.
-Tudo quieto? Estranho. A funcionaria falou que meu vaso quebrou. O futebol de vocês – já disse que sala não é campo e que mato um - tem algo a ver com isso?
Luísa: fala, pai!
- Não tivemos partida ontem porque cheguei tarde do plantão. Átila já estava dormindo e Luísa fazendo dever.
- Sei, disse ela, mas sem provas para culpar os atletas.
Não me orgulho do exemplo que dei, mas a covardia, às vezes, é uma estratégia de salvação da família.

Nenhum comentário: