sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Por que temos sotaque? 8 curiosidades sobre as línguas

Os cientistas ainda não sabem ao certo quando começamos a falar, e quando grunhidos desconexos de nossos antepassados começaram a virar palavras, frases e sentenças complexas e detalhadas.

Mas essa capacidade de nos expressarmos com palavras, de sermos compreendidos e de escrever é "o principal salto evolutivo da nossa espécie", mais até do que andar ereto sobre duas pernas ou conseguir segurar coisas com as mãos, argumenta o linguista Aldo Bizzocchi ao falar da importância da linguagem para a construção das civilizações humanas.

"A linguagem verbal articulada propiciou, sobretudo nos últimos 10 mil anos, um avanço cultural mais rápido do que o verificado nos vários milhões de anos anteriores. O advento da escrita permitiu a preservação e o acúmulo de conhecimentos para além da memória individual e do curto tempo de vida do indivíduo em relação à espécie", explica Bizzocchi, que é doutor em linguística e semiótica pela Universidade de São Paulo e autor do recém-lançado livro O Universo da Linguagem (ed. Contexto).

O livro fala da história da linguagem humana e enumera curiosidades sobre como as línguas, entre elas o português, evoluem e mudam.

Veja algumas delas, comentadas por Bizzocchi em entrevista à BBC News Brasil:

Por que temos sotaque?

Bizzocchi ressalta que o mais complexo, ao se aprender um segundo idioma, é reproduzir a pronúncia: é muito difícil se livrar do sotaque.

"Mas por que é tão difícil perder o acento nativo quando se fala outro idioma? Por que é mais fácil dominar o léxico e a gramática de uma língua do que sua fonética?", questiona o linguista.

Ele próprio explica que, segundo as teorias linguísticas predominantes (que detalharemos mais abaixo), acredita-se que as crianças já nasçam com uma aptidão à linguagem, embora não tenham, obviamente, nenhum repertório de palavras ou pronúncias de idiomas.

Mas, "graças aos chamados neurônios-espelho (células do cérebro que permitem o aprendizado por imitação), a criança é capaz de imitar com progressiva precisão os sons vocais emitidos pelos adultos à sua volta", diz o linguista.

"Isso significa que ela sabe em que posição e lugar deve manter a língua para realizar um som, apenas observando os adultos, sem que ninguém precise lhe explicar."

A criança vai, então, aprendendo a reconhecer nuances mínimas na forma de falar e no sons das palavras.

O problema é que a forma de emitir os sons da nossa língua nativa fica cristalizada na nossa mente. É bastante difícil, então, aprender novas formas de posicionar, ao mesmo tempo, a língua, o lábio e os dentes para produzir os novos tipos de sons de um idioma estrangeiro.

E quanto aos sotaques dentro de um mesmo idioma, como o português? A mesma lógica se aplica parcialmente, diz Bizzocchi, com a vantagem de que não é preciso aprender uma nova gramática ou vocabulário.

"Para imitar bem um sotaque, o principal nem é falar - é ter um bom ouvido para perceber as sutilezas" daquela forma de falar, explica.

Quando os humanos começaram a falar?

Bizzocchi explica que há duas teorias principais sobre a origem das línguas:

Uma teoriza que haveria existido uma língua inicial, falada na África entre 200 mil e 30 mil anos atrás; já a segunda sustenta que várias populações humanas começaram a falar ao mesmo tempo, como uma propriedade evolutiva do cérebro.

A linguagem é uma capacidade única dos humanos, que define a nossa espécie, diz o autor. Mas precisar ao certo quando os sons produzidos pelos humanos viraram uma fala articulada e conexa "talvez seja a grande questão da linguística", ainda sem resposta definitiva, diz o autor à reportagem.

"Em algum momento da nossa espécie, a linguagem verbal articulada emergiu como uma função biológica vantajosa à sobrevivência, que passou desde então a ser transmitida geneticamente."

Essa é a ideia defendida pelo influente intelectual Noam Chomsky, para quem a aptidão linguística é inata - um atributo biológico do ser humano, registrado em nossas mentes mesmo antes do nascimento. Essa é, também, a teoria predominante atualmente.

Há, porém, quem desafie essa hipótese: o linguista Daniel Everett passou a defender que a linguagem é uma invenção humana (e não uma característica inata) depois de estudar a tribo indígena brasileira pirahã.

Em entrevista à BBC News Brasil em 2019, Everett disse não descartar o valor da genética na linguagem, mas defendeu que é preciso considerar o papel da cultura humana no desenvolvimento dos símbolos, que por sua vez levam às línguas.

 Aldo Bizzocchi sustenta, por sua vez, que estudos recentes da neurociência e das ciências cognitivas dão força à tese do "inatismo linguístico" de Chomsky.

"Mas temos de dar crédito a Everett, porque ainda tem muito a ser pesquisado e entendido" sobre os primórdios da linguagem, agrega.

A capacidade de expressar o que não está diante dos nossos olhos

Uma parte importante da linguagem é a capacidade de expressar coisas "ausentes" - como coisas passadas, futuras, hipotéticas ou abstratas.

"Uma hipótese aventada pelos cientistas é de que a linguagem surgiu como uma exaptação do cérebro, isto é, um desenvolvimento colateral e acidental que não tinha função previamente determinada - até encontrar uma: pensar de maneira 'desconectada', ou seja, em coisas que não estão na nossa frente neste exato momento", aponta Bizzocchi.

Expressar coisas que não estejam presentes, por sinal, é uma grande diferença dos humanos em relação a outros animais: um macaco, por exemplo, pode se comunicar com outro a respeito de uma banana que esteja na frente deles. Mas nada poderá comunicar caso a banana não esteja ali.

O 'não' mudou tudo na linguagem

Essa abstração da realidade só é possível graças à criação do "não", "um conceito extremamente primitivo e ao mesmo tempo extremamente complexo", explica Bizzocchi. Conceito, aliás, que pode estar na raiz de coisas muito significativas, como as religiões.

"Como o 'não' inexiste na natureza, sua criação trouxe inúmeras consequências para o modo como vemos o mundo e concebemos nós mesmos", detalha o linguista.

"O 'não' permitiu conceber o nada (e daí a ideia religiosa da Criação) e o infinito (que é o que não tem fim)."

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