domingo, 26 de dezembro de 2021

 


 * Pensar crítico *

  Como vai, senhorita?

 Você que regularmente me lê, já experimentou se valer da palavra senhorita ao se dirigir a uma jovem mulher?

Se ainda não o fez, experimente.

Expressão de inopinado espanto, ou no mínimo amarelado sorriso, corresponderá ao “arcaísmo” da gentil expressão.

 Pois bem, amigas e amigos. O que ora direi aprendi com Cristophe Clavé, estudioso que têm alertado acerca da crescente incapacidade em bem pensar, devido ao gradativo abandono de vernáculos que enriquecem a manifestação escrita ou verbal do pensamento.

 É crescente e acelerada a redução vocabular que ao por em desuso muitos termos e formas verbais, os convertem em algo obsoleto, coisa do passado.

 O empobrecimento da linguagem repercute na nossa capacidade de elaborar e formular pensamentos complexos. Empobrecimento representado pela severa diminuição do conhecimento lexical, pelo sumiço gradual de tempos verbais, pela simplificação dos tutoriais, pelo desuso das letras maiúsculas, bem como pelo desconhecimento dos recursos dos sinais de pontuação. Verdadeiros golpes mortais na precisão e na variedade da expressão literária.

 No campo do abandono das múltiplas e ricas variações verbais de nosso idioma, quase sem notarmos, vimos dando adeus ao subjuntivo, ao imperfeito, ao particípio passado, às formas compostas do futuro, recursos que permitem textos e falares de extraordinária riqueza semântica. Penso que as escolas de hoje não mais se voltem a tal preocupação. Associe-se a tal desprezo, o solene desconhecimento de nossas variações verbais, por parte dos limitadíssimos “corretores” das redes sociais. 

 Ante tal quadro - menos palavras e menos flexões verbais - advém a limitação da capacidade de expressar emoções ou processar pensamentos. Quanto mais pobre a linguagem, menos o pensamento se avoluma, vez que sem palavras para construir argumentos, o pensar complexo torna-se impossível.

 Dispensar-se o uso do vocábulo senhorita, por exemplo, não significa apenas abrir mão da estética de uma palavra, mas também promover, involuntariamente, a ideia que entre uma menina e uma mulher, não existam fases intermediárias. Retrato também do amadurecimento precoce, da pressa de viver.

 Como será possível captar-se uma temporalidade, uma sucessão de elementos no tempo, passado ou futuro, sem uma linguagem que distinga entre o que poderia ter sido, o que foi, o que é, o que poderia ser e o que será depois do que pode ter acontecido se realmente aconteceu?

 Assim, sem nos apercebermos de nossa crescente incapacidade em descrever as emoções com palavras, a última Flor do Lácio poderá se converter em simples iconografias, distanciando-nos, cada vez mais dos grandes autores, dos melhores cânones da língua pátria.

Hugo A de Bittencourt Carvalho

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