sábado, 18 de dezembro de 2021

 Reminiscências fumageiras

  Até o último quarteirão do século passado, fumar representava ato de maioridade civil. Um pouco antes, era também falta de respeito ‘pitar’ na presença de parentes idosos e de superiores.

 Cunhados de meu primeiro casamento - lá se vão mais de cinquenta anos - então maiores de idade, ao verem o pai a razoável distância, escondiam ou jogavam fora seus cigarros. Ninguém fumava na presença do velho.

 Lembro-me que aos 17 anos (fumava escondido, cigarros furtivamente subtraídos) tendo concluído o curso ‘científico’, muni-me de coragem e pedi a meu pai licença para fumar.

 Estávamos ao sofá da sala. Ofereceu-me ele, a carteira. Temendo inesperada e adversa reação, não estendi o braço.

 “Vamos, vamos!”, encorajou-me. “Quero ver se Você sabe mesmo fumar”.

 Ante sua insistência, mas mantendo prudente afastamento, acendi meu primeiro cigarro na frente do velho. Estava decretada minha maioridade. O gesto representava ato de emancipação e suprema homenagem.

 J. Guimarães Rosa, na sua obra Sagarana, bem retratou similar momento.

 “Quando dei fé, a festa já tinha acabado, e meu pai estava me dando um cigarro, que ele mesmo tinha enrolado para mim; o primeiro que pitei na vista dele.... E foi falando: Meu filho tu nasceu para vaqueiro, agora eu sei”.

 No meu caso, que não nascera para vaqueiro, acabei virando charuteiro.

 Migrar dos cigarros para os charutos, vários anos após, exigiu aprendizado. Sair do fumar anônimo que era o fumar cigarros, para o fumar individualizado dos charutos, requereu persistência para aprender que o sabor está no palato, nas vias respiratórias superiores e não nos pulmões; exigiu pertinácia para vencer o preconceito dos circunstantes e me impôs, - por que não o dizer? - leituras e estudo.

 À medida que avançava nos conhecimentos sobre a arte e o prazer de fumar, mais me apaixonava pelo fascinante mundo dos charutos. Arte e prazer que não são para qualquer um.

 Saiba, fumador de ‘puros’, você ser parte de uma especial e seleta confraria plena de gestos, sinais, estórias e rituais de iniciação quase cabalísticos.

 O primeiro namoro a gente nunca esquece. Da mesma forma como nunca esquecemos nosso primeiro charuto. Que não foi – eu sei – tão prazeroso quanto os de hoje em dia.

 Inefáveis companheiros nos bons e maus momentos os fazem amigos e confidentes. A cada novo ‘puro’ aceso, reacende-se a chama do prazer da vida, bem vivida, como espero seja igualmente a sua.

Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

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