domingo, 3 de julho de 2022

 


*Tédio e mesmices*

 

             Expedito, prossigo na romaria aos santos protetores de minha armadura carnal e ao imitar os crentes recorro ao mais eclético, o santo das causas impossíveis, vale dizer Expedito, substantiva eminência transformada em adjetivo. 

Dias atrás, estive com Luzia, entidade protetora da visão, representada por um amigo, oculista de mão cheia. Homem meticuloso, paciente e prestimoso. Assim não fosse, não se chamaria João Félix. Um ‘misto-quente’ entre João, o primo do Homem e Félix - o finado bruxo charuteiro.  Sendo ele especialista em olhos, recomendei-lhe debruçar-se em Machado de Assis, inigualável (d)escritor de olhares. Não cobrei consulta. Em troca deu-me luz aos olhos: dois graus a menos em cada olho astigmático. Como nos é confortador ter amigos em estado de santidade ... 

Ai de mim, caríssimos leitores e leitoras - alguns habituais em fartar-me de vaidades com seus generosos encômios - não fosse o prazer de deitar letras em páginas de vadiação, para desviar a mente das mesmices da velhice. 

O tédio, segundo o fundador da nossa Academia, revela-se em Memórias póstumas de Brás Cubas: “as aventuras são a parte torrencial e vertiginosa da vida, isto é, a exceção”. 

Tanto, atesto. Navegador em incontáveis exceções até os sessenta anos, em algumas naufraguei, não lhes rendo preito de saudade. Todavia, tais naufrágios teimam em minhas reminiscências, como agorinha, ao impertinente sono pós-almoço: lembranças seletivas, sonhos fora da curva, indesejados momentos eternizados na memória. 

Tento ludibriar o sono-sonho. Quero desvencilhar minhas mãos das algemas do passado e que aprisionam o desejo de transformar-me em letras e palavras. 

Reluto em combater o tédio e as mesmices da existência, ao tentar discorrer sobre os torrenciais e tórridos instantes das exceções. Cogito, no dia-a-dia das implacáveis rotinas encontrar uma fresta, uma brecha pela qual possa penetrar um raio de luz para operar o milagre de converter-me em texto. 

Curioso, espio. Vejo, pela gretinha descoberta sob o travesseiro testemunha de meus sonhos, as velas que velaram a vida de amigos. Suas luminescências – falo das velas e dos amigos – sempre fulgem; resplandecem e afugentam os marasmos impostos pela vida longa. No dizer machadiano são “reminiscências inquietas”: apesar dos anos não envelhecem e pedem a todo custo serem dadas ao mundo “pela pena ou pela língua”. 

Assim, volta e meia, memorialmente, ressuscito as torrenciais exceções, as tremulantes velas, os amigos distantes de meus braços para sempre, as reminiscências inquietas e componho instantes contemplativos, quase místicos. Momentos alentadores, pondo-me a vadiar em páginas endereçadas a gente pouca de minha admiração muita. 

Gente que é gente.

Como todos quantos se comprazem com minhas divagações.



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