segunda-feira, 25 de julho de 2022

Crônica de segunda

 

O papagaio do Monsenhor

         Monsenhor Galvão era um “boa praça”. Eu gostava dele, gostava de ficar conversando com ele, e sentia que a recíproca era verdadeira. A gente discutia um bocado sobre religião, mas a conversa sempre resultava boa. E ele me contava muitos casos ocorridos com ele durante sua vida sacerdotal. Um desses casos foi sobre quando, ao fazer um batizado em grupo, sob o sol forte do sertão, ele se dirigiu a uma mulher que trazia uma manta sobre o ombro, onde ele achava estar um recém nascido sendo protegido do calor. Não se fez de rogado e batizou a “criança”, por cima da manta mesmo, para depois descobrir que se tratava de um bócio descomunal.

Ele viveu algum tempo na região de Cícero Dantas, na época em que meu pai era delegado de Novo Amparo, hoje chamado Heliópolis. Naquela época, o padre Renato, como era chamado por lá, fazia política partidária, e era contra o partido do meu pai. Ele vivia às turras com minha mãe, D. Dezinha, que o que tem de baixinha tem de atrevida. E eu inventava estórias envolvendo eles dois, e contava pra ele, que ria um bocado.

        Uma destas estórias foi sobre quando ele foi pedir a meu pai autorização para fazer um comício. Meu pai deu, mas advertindo-o de que não passasse com a passeata em frente à Delegacia, para não parecer que o padre estaria afrontando o delegado, seu adversário político. Quando minha mãe percebeu que a passeata vinha pela rua da Delegacia, gritou para meu pai (que morava nos fundos): Olha, Totonho, Padre Renato vai passar bem aqui em frente. Meu pai não ligou, mas ela foi tirar satisfações. É aí que eu entro, dizendo que, por ele ser mais alto, se abaixou para ouvir o que ela tinha a dizer. Foi quando ela o pegou pelo colarinho sacudindo e ele se levantou levando ela junto, sacudindo as pernas no ar...

        Mas a melhor estória que inventei com Monsenhor Galvão foi sobre um papagaio que ele tinha. O “louro” não sabia falar quase nada, e alguém quis ensina-lo a dizer “Monsenhor Galvão”. Só que o bicho vivia repetindo: “Morra Galvão, morra Galvão”! Era o dia todo naquela cantilena. Um dia, Monsenhor Galvão foi visitar Padre Gessé, e lá encontrou um jovem papagaio, falando pelos cotovelos, cantando ladainhas e fazendo orações. Recitava uma missa inteirinha.

       Entusiasmado, Monsenhor Galvão pediu: “Oh! Gessé. Me empreste esse papagaio, pra ver se o meu aprende alguma coisa com ele”. Padre Gessé não se fez de rogado. Quando Monsenhor Galvão colocou o papagaio junto com o dele, a cantilena começou: Morra Galvão, morra Galvão, morra Galvão....

      O papagaio de Padre Gessé se limitava a responsar, cantando: Senhor, atendei à nossa prece...

NE: Publicada no livro A Levada da Égua e Outras Estórias (2003)

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