sábado, 30 de julho de 2022

 


* Marchand de prazeres *

Administrar o relacionamento, com o maior bem de qualquer negócio - Sua Excelência o Consumidor - é tarefa à qual me imponho via enfumaçadas crônicas, a parte intangível, extensão de valor dos serviços agregada aos charutos, que ao contrário das suas fumaças não se evolam em azuladas espirais. 

Debato-me com a ‘entropia’ (perdoem o ‘palavrão’) – tendência natural de erosão da sensibilidade e da atenção – em meu relacionamento com os consumidores. Comprazo-me ao acolher pedidos, comentários, observações, termômetros de nossa relação. 

Imagino-me agora em uma vila de pescadores. Vejo-os passarem com seus caniços; dou-me conta que uma pessoa ao comprar uma vara de pesca, na realidade deseja pescar; quando alguém compra uma broca, de fato, necessita um furo. Produtos, portanto, são simples meios para satisfazer necessidades. Em si, nada valem. A fábrica produz charutos; eu entrego prazeres e satisfação, aquilo na verdade, encomendado. 

Charutos por charutos, são encontráveis em muitos lugares, mas “charutos do Hugo, lá da Bahia”, só em minhas mãos. Por isso, pelo privilégio em ser um marchand de prazeres, envaideço-me, cultivo amizades com os clientes e sei a recíproca ser verdadeira. 

É claro, haver certa dificuldade em manter acesa a chama do relacionamento. 

A regra do jogo ensina: o sucesso na expansão do negócio, na medida em que ilustramos consumidores, mais vulneráveis nos tornamos em perdê-los. 

Quando o auxílio, conversor de cliente potencial em cliente efetivo, não mais se faz necessário, ele sente-se à vontade para buscar outras fontes, às quais atribui mais valor que o auxílio. É quando, quase sempre, surge o fator preço. 

Encarados, sob a estrita ótica do preço, charutos podem até ser considerados produtos genéricos. Sempre haverá alguém, ocasionalmente, entregando a preço mais reduzido. Entretanto, em visão mais ampliada, ao ponderar como são estocados, como chegam às mãos dos destinatários e como é mantida acesa a chama do relacionamento, a situação muda de figura. 

Todos, valemo-nos das aparências para julgar a realidade. Somos dependentes, até certo ponto, das impressões externas, das imagens, do marketing. Por isso, quem oferece um charuto entra sempre em julgamento e ambos – marchand e consumidor – tornam-se, inevitavelmente, um só. 

Assim, como “a Bahia tem um jeito que nenhuma terra tem”, os “charutos do Hugo, lá da Bahia”, esforçam-se em ter um charme que nenhum outro charuto tem.

Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

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http://livrodoscharutos.blogspot.com


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