domingo, 31 de julho de 2022

 


* Alma almejada * 

Escrever por satisfação é ato menor; maior torna-se ao unir a alma à pena. Ao escrever com espírito atento, abrimos os portais do Ser e o predispomos à compreensão de nossas vertigens. 

No mar aonde navega a existência, tudo tem elásticos limites. A realidade, tanto quanto o sonho, costuma ir além das fronteiras do imaginário; a própria ficção a integra. Em tais searas, pugna o escritor no intento de abrandar as asperezas da vida e, assim, servir à mesa dos que consomem palavras, pratos palatáveis; sem nunca – em tal exercício – deixar-se ou tentar iludir, edulcorando angústias como se doçuras fossem. 

Ocorre que, a par de associar-se a alma ao gesto da escrita, há técnicas as quais, volta e meia, são deixadas ao léu por muitos - como eu – aspirantes em fazer das letras a manifestação autônoma do próprio espírito. Atenho-me a algumas que, sem maior esforço, ocorrem-me.

 A norma basilar, “lendo se aprende que só se aprende lendo” é demais conhecida. Os melhores pendores são conquistados por leitura de autores pátrios ou boas traduções de autores estrangeiros. Associe-se a tal fundamento a companhia de dicionários para auxiliar na dissolução de ocasionais percalços vocabulares. 

A comunicação, para ser atrativa e eficiente, requer parcimônia no emprego de artigos indefinidos os quais, afora dados textos, nada definem; arrepios ao peso negativo da palavra “não”, períodos afirmativos são mais bem recebidos; cuidado no uso da ênclise, para despojar os textos de tons por demais enfáticos; advérbios de modo não são bons comunicadores, convindo valermo-nos de expressões outras, como “por certo” em lugar de “certamente”; a cada parágrafo corresponder uma ideia e, com isso, simplificar a jogada no meio de campo; evitar pronomes possessivos os quais, quase sempre, a exemplo dos artigos indefinidos, podem ser retirados sem maior prejuízo ao entendimento do assunto e, quando usados, dispensam ser precedidos por artigos definidos, costumeira redundância. 

Junto a tais cuidados, provocações poderão ser inseridas para manter o leitor atento ao desenrolar da trama. Certa cor adjetivada, aquele vocábulo pouco usual, diminutivos sincopados, exclamações, interrogações, reticências... Pedras de toque, distintos temperos, com vistas a um estilo diferenciado no universo de quem transforma dicionário, pena e letras em aljava, arco e flechas disparadas sob a forma de textos.

 

Despertar o interesse dos leitores integra o desafio. A curiosidade aguçada, indutora à pesquisa, prolonga o prazer da coisa lida. Não esqueçamos: quem lê busca alguma forma de utilidade. Ao saber disso, ao escritor antenado acode a utilidade sentimental, ou seja, estimular o desejo pelo pronto retorno da leitura amada. Torna-se, pois, um desafio a volta daquele texto sem compromisso com a temporalidade, ao contrário do jornal diário, e sem ser como um arco-íris sempre com as mesmas cores, mas com vestes nunca repetidas. 

Transformar ideias em letras – invasoras de mentes com diferenciadas visões do mundo – impõe indisfarçada sinceridade. Cada imagem arquitetada, fato narrado, objeto descrito, seja o que for terá um viés específico de acordo com a habilidade do escritor em manejar vocábulos. A leitura prazerosa, pelas vistas que a alcançarem, poderá situar-se, ora nos matizes cromáticos, ora no conteúdo literário, ora na justeza gramatical, ora nas figuras de imagem, atributos tais. Assim, sói acontecer, a satisfação do leitor não residirá nas frias letras: estas são, apenas, instrumento do qual o escritor se vale para executar sua sinfonia. Sob o tablado, ocultar-se-á a armadilha, urdida pelo letrista, para alcançar o mundo da fantasia daqueles capturados através do olhar. 

Em suma, amamos o lido pelo quanto nele encontramos de nós mesmos, instante no qual a alma estabelece conceito de valor calcado em vivências e lembranças. Uma vez vencido o desafio, somos recompensados pelo êxtase: a alma almejada pelo escritor se confunde com a almejada alma do leitor.



Nenhum comentário: