segunda-feira, 18 de julho de 2022

Crônica de segunda

 

Coronel Inhozinho

Coronel Inhozinho era um sujeito valente e decidido. Também era muito pragmático em suas decisões. Quando o governo se mostrou impotente para coibir os “pegas” de automóveis que os “playboys” da cidade faziam na sua rua, ele, com recursos próprios, mandou fazer quatro quebra-molas e tacou uma sinaleira no cruzamento da esquina da sua casa. E ficava ele mesmo na porta, fiscalizando. Quem passasse a mais de 80 Km por hora, ele mandava bala. Furou a lataria de muitos carros.

Um dia, o jornalista Edson Borges, então chefe de reportagem do Jornal Feira Hoje, mandou fazer uma matéria protestando contra os quebra-molas, e o coronel foi até o jornal tirar satisfações. E ameaçou fazer Edson engolir o jornal, seco, se saísse mais alguma coisa sobre o assunto. Edson se limitou a perguntar: “Mas tem que ser seco, coronel? Não posso passar nem uma manteiguinha”?

A lógica do coronel Inhozinho também era singular. Certa vez ele entrou numa farmácia e pediu ao balconista que lhe aviasse uma receita. O rapaz trouxe os comprimidos e, quando ele perguntou o preço, o rapaz disse que custava R$ 2 Reais. O coronel reagiu imediatamente, seguindo o seu lógico raciocínio. “Não quero não, pode guardar. Se os remédios caros não estão resolvendo, não é essa porcaria barata que vai resolver”.

Quando seu médico suspeitou de que ele estaria com o apêndice inflamado, tirou-lhe uma amostra de sangue, no dedo, para examinar. Ele perguntou: “Pra que é isso, doutor”? Quando o médico lhe explicou que era para examinar o sangue, ele protestou: “Ora, doutor. Só isso. Não dá pra nada. Olhe, tire meio litro aqui da veia, bote pra coalhar, amanhã de manhã o senhor retalha e vê se tá bom”.

Com o apêndice inflamado, ele insistia com o doutor de que um pouco de óleo de rícinio lhe faria bem. O médico, claro, proibiu terminantemente: “O senhor está louco, coronel. Nada disso. O senhor vai é tomar estes medicamentos, e amanhã cedo passo aqui para lhe examinar”. No dia seguinte, quando o médico chegou à casa do coronel, ele já não estava, e a mulher lhe informou: “Ah, doutor. Aquele homem é muito teimoso. Assim que o senhor deu as costas ele bebeu meio litro de óleo de rícinio e, a esta hora, já deve estar pra lá de Jequié”.

Quando lhe roubaram um Jeep, o coronel Inhozinho mandou “passar um rádio” para todos os postos da Polícia Rodoviária, a fim de interceptar o carro.  Não teve resultado.

Certo dia, prenderam um ladrão, e este confessou que tinha roubado o carro do coronel e levado para Salvador. De posse de uma autorização do delegado, o Coronel pegou um ônibus e foi pessoalmente buscar o Jeep. Quando retornava, um policial o parou no posto de Simões Filho, e pediu os documentos do veículo. Em seguida, declarou: “Este carro vai ficar preso. Esse carro é roubado”.

Foi o suficiente para enfurecer o coronel, que explodiu, travando o seguinte diálogo com o guarda:

-          O que, cabrunco? Vocês não prenderam o ladrão, e querem me prender, que sou o dono do carro?

-          De onde o senhor vem?

-          Dos infernos.

-          Pra onde o senhor vai?

-          Pras profundas.

-          Como é o nome do senhor?

-          Estopô!

Disse isso e já saiu “rasgando” uma primeira, jogando poeira na cara do guarda.

Assim era o coronel Inhozinho. Um sujeito valente e, muito prático.

NE: Publicada no livro A Levada Égua e Outras Estórias (2004)

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