Coronavírus: por que países liderados por mulheres se destacam no combate à pandemia?
Da Nova Zelândia à Alemanha, Taiwan
ou Noruega, alguns países liderados por mulheres estão vendo
relativamente menos mortes pela covid-19.
E estas lideranças estão
sendo elogiadas na mídia e nas redes sociais por suas atitudes, bem
como pelas medidas que introduziram em face da atual crise global de saúde.
Um artigo recente da colunista Avivah Wittenberg-Cox na revista Forbes as considerou "exemplos de verdadeira liderança".
"As
mulheres estão se colocando à frente para mostrar ao mundo como
gerenciar um caminho confuso para a nossa família humana", escreveu.
As
mulheres representam 70% dos profissionais de saúde em todo o mundo. Já
no mundo político, em 2018, elas eram apenas dez dos 153 chefes de
Estado eleitos, de acordo com a União Interparlamentar.
Apenas um quarto dos membros dos Parlamentos do mundo são mulheres.
Embora
também haja outros fatores sociais e econômicos que favoreçam estes
países no enfrentamento à pandemia, analistas acreditam que as
trajetórias sociais das mulheres — e não qualquer condicionamento
biológico — tornem sua conduta como líderes também diferentes. Entenda o
porquê.
Resposta precoce
A primeiro-ministra da Islândia, Katrín Jakobsdóttir, apostou logo cedo em testar massivamente sua população.
Apesar
da pequena população, de 360 mil habitantes, a Islândia evitou a
complacência: medidas contra a covid-19, como a proibição de reuniões de
20 pessoas ou mais, foram tomadas no final de janeiro, antes mesmo do
registro do primeiro caso da doença.
Até 20 de abril, nove pessoas haviam morrido da infecção pelo novo coronavírus na Islândia.
Já
em Taiwan, que oficialmente faz parte da China, mas, na prática,
funciona (ainda) como um país soberano, a presidente Tsai Ing-wen criou
imediatamente um centro de controle de epidemias e tomou medidas para
rastrear infecções.
Taiwan também aumentou a produção de
equipamentos de proteção individual (EPI), como máscaras. Até agora,
registrou apenas seis mortes entre seus 24 milhões de habitantes.
Enquanto
isso, na Nova Zelândia, a primeira-ministra, Jacinda Ardern, adotou uma
posição difícil diante da covid-19. Em vez de "achatar a curva" dos
casos, como muitos países estavam buscando fazer, a abordagem de Ardern
foi mais contundente, para eliminar a curva.
O país impôs uma série de duras medidas quando as mortes no país por covid-19 eram apenas seis — em 20 de abril, elas totalizavam 12.
Mas, além de ter mulheres como líderes, esses países
que estão respondendo melhor à crise têm outras coisas em comum. Todos
são economias desenvolvidas, com um sistema de assistência social
estabelecido e alta pontuação na maioria dos indicadores de
desenvolvimento humano.
São países que também tendem a ter sistemas de saúde fortes, mais preparados para lidar com emergências.
Mas qual é a parcela do papel das lideranças mulheres no relativo sucesso destes países no combate ao coronavírus?
'Tem tudo a ver com diversidade'
A maneira como essas líderes eleitas praticam política desempenha um papel, dizem analistas.
"Não
acho que as mulheres tenham um estilo de liderança diferente do dos
homens. Mas quando elas estão representadas em posições de liderança,
isso traz diversidade à tomada de decisões", diz Geeta Rao Gupta,
diretora executiva do Programa 3D para Meninas e Mulheres e membro
sênior da Fundação das Nações Unidas.
"Isso traz melhores decisões, porque você tem a visão tanto de homens quanto de mulheres", disse ela à BBC.
É
um contraste com a postura explosiva e a negação a fatos científicos
adotadas por alguns de seus colegas do gênero masculino, como os
presidentes dos EUA e Brasil, Donald Trump e Jair Bolsonaro.
Rosie
Campbell, diretora do Instituto Global para Liderança Feminina no
King's College London, concorda que "os estilos de liderança não são
inerentes a homens e mulheres".
"Mas, devido à forma como somos
socializados, é mais aceitável que as mulheres sejam líderes mais
empáticas e colaborativas. E infelizmente há mais homens que se
enquadram na categoria narcisista e hipercompetitiva", diz Campbell.
Ela acredita que essa característica na liderança masculina "foi exacerbada pela tendência populista na política".
A política 'ultramacho'
Populistas
apostam em "mensagens simplistas" para ter apoio, explica Campbell à
BBC — e isso muitas vezes determinou a abordagem escolhida para
gerenciar a pandemia.
Líderes políticos nos EUA, Brasil, Israel e
Hungria, para citar alguns países, tentaram, em algumas ocasiões,
colocar a culpa de seus problemas em causas externas — como apontar para
estrangeiros "importando" a doença, como indicou Trump.
"Trump e
Bolsonaro estão optando por assumir uma personalidade ultramacho. Não é
codificado em sua biologia que eles tenham que se comportar assim, mas
estão optando por fazê-lo", diz Campbell.
"As mulheres são
consideravelmente menos propensas a estar na direita radical populista.
Existem algumas exceções notáveis, como Marine Le Pen [na França]."
"Mas, no geral, é algo associado a uma política muito individualista e machista."
As respostas à crise da covid-19 foram obviamente
diversas, em parte devido às realidades socioeconômicas de cada país e à
disponibilidade de recursos — aspectos nos quais o gênero pode não ter
influência.
Portanto, líderes homens que não se encaixam no
estereótipo descrito por Campbell também estão vendo relativamente menos
mortes em seus países.
Na Coreia do Sul, o tratamento da crise
pelo presidente Moon Jae-in sustentou a vitória esmagadora de seu
partido nas últimas eleições parlamentares, realizadas em 15 de abril.
O
primeiro-ministro da Grécia, Kyriakos Mitsotakis, também tem recebido
elogios por gerenciar com sucesso a crise e manter as taxas de
mortalidade relativamente baixas — 114 óbitos até 20 de abril, para uma
população de cerca de 11 milhões. Em comparação, a Itália, com uma
população de 60 milhões, sofreu 22 mil mortes.
A Grécia está
passando pela crise priorizando o aconselhamento científico e tendo
adotado medidas precoces de distanciamento social — antes que suas
primeiras mortes fossem registradas.
E, por outro lado, há países liderados por mulheres em situação delicada diante do avanço rápido do vírus.
Por
exemplo, a primeira-ministra de Bangladesh, Sheikh Hasina, conseguiu
liderar a contenção do surto em um dos países mais populosos do mundo.
Mas há preocupações com a capacidade limitada de testagem, além de que
os profissionais de saúde de Bangladesh denunciam cada vez mais estar em
risco devido à falta de equipamentos de proteção individual.
Decisões difíceis
Para deter a covid-19, os líderes precisam tomar decisões difíceis, como bloquear atividades econômicas.
Mas
essas escolhas têm um alto custo político no curto prazo, que é "o
oposto do que os líderes populistas querem", diz a professora Campbell.
Por
outro lado, algumas líderes conquistaram a opinião pública ao falar de
maneira aberta e transparente sobre os desafios que seus países
enfrentam.
Angela Merkel, da Alemanha, anunciou rapidamente que a
covid-19 era uma ameaça "muito séria". Em números absolutos, seu país
criou o maior esquema de testagem, rastreamento e isolamento da Europa.
Mais de 4,6 mil pessoas morreram de covid-19 na Alemanha, que tem uma
população de 83 milhões.
Na Noruega e na Dinamarca, as abordagens
de suas primeiras-ministras as diferenciaram de alguns de seus colegas
homens propensos a bravatas.
Tanto a primeira-ministra norueguesa, Erna Solberg,
quanto sua colega dinamarquesa, Mette Frederiksen, realizaram
pronunciamentos específicos para crianças.
Jacinda Ardern, da Nova
Zelândia, também tentou amenizar as preocupações dos pequenos sobre se a
Páscoa, celebrada pelos cristãos este mês, seria interrompida por
medidas de bloqueio. Ardern disse que o tradicional coelhinho da Páscoa
era considerado um "trabalhador essencial" e teria permissão para
entregar ovos de chocolate diretamente às casas.
Campbell analisa:
"Falar sobre o coelhinho da Páscoa teria sido considerado ridículo para
um líder de um país no passado. Mas ter mais mulheres na política está
nos fazendo pensar mais sobre como a política afeta as crianças".
Ao
abordar diretamente as preocupações dos cidadãos mais novos, os líderes
políticos estão reconhecendo que a pandemia global está afetando a
saúde mental de todas as faixas etárias, diz Campbell.
'Decisões melhores'
Geeta
Rao Gupta, que também é presidente do conselho consultivo do WomenLift
Health, um programa da Fundação Bill e Melinda Gates que visa aumentar a
liderança feminina no setor de saúde, pede que mais mulheres sejam
colocadas em posiçõ
"Decisões relevantes seriam tomadas considerando mais segmentos da sociedade, não apenas alguns."
"Porque,
como mulheres, elas [líderes] experimentaram a vida em papéis e
responsabilidades que são afetadas socialmente pelo gênero. Assim, suas
perspectivas e decisões provavelmente serão afetadas por essas
experiências".
Gupta adverte sobre os possíveis diferentes
impactos sociais e econômicos da covid-19 sobre homens e mulheres. A
violência doméstica contra elas já tem aumentando em várias partes do
mundo. Elas estão mais vulneráveis ao aumento da pobreza e pode haver
uma reversão às tentativas recentes — e tímidas, em muitos casos — para
diminuir a diferença salarial entre os gêneros.
"Estamos
recuando", diz ela. "A menos que a resposta à pandemia considere isso
como fator (questões de gênero), haverá uma exacerbação dos problemas
existentes." (BBC News Brasil)
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