As estatísticas de inflação não têm
feito muito sentido para o brasileiro que vai ao supermercado. Os
índices de preços vêm se mantendo em patamares historicamente baixos
desde 2017, mas a sensação é de que a gente deixa cada vez mais no caixa
quando faz compras.
E não é só impressão: enquanto o Índice de
Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país,
avançou 2,44% nos acumulado em 12 meses até agosto, a alimentação no
domicílio, subitem que compõe o grupo alimentos e bebidas, subiu 11,4%:
Trajetória da inflação
Acumulado em 12 meses até agosto de 2020 (em %)
Fonte: IBGE
Os dados divulgados na quarta (09/09) pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), mostraram que o arroz ficou quase 20%
mais caro desde o início do ano, que o preço do feijão mulatinho subiu
32,6%, da abobrinha, 46,8%, e da cebola, 50,4%.
As razões para
esse comportamento estão ligadas, de forma direta e indireta, à pandemia
— o que significa que o impacto pode se estender pelos próximos meses,
mas não sinaliza um aumento persistente dos preços.
Aumento da demanda interna
Dois fatores aumentaram a demanda por alimentos no mercado doméstico e pressionaram os preços para cima.
De
um lado, as quarentenas e o isolamento social deixaram os brasileiros
mais tempo em casa. Muita gente passou a fazer home office e a cozinhar
em casa ou deixou de ir a restaurantes com a família no fim de semana.
De
outro, o auxílio emergencial de R$ 600 fornecido pelo governo permitiu
que as pessoas continuassem consumindo apesar da crise — algumas até com
um patamar de renda superior àquele que tinham antes da pandemia.
Entre abril e agosto, o governo injetou cerca de R$ 173 bilhões na economia através do auxílio.
"Boa parte desses recursos foi usado para pagar contas e comprar mantimentos", destaca o professor da Fipecafi George Sales.
![]() |
Nos 12 meses até agosto, alimentação no domicílio teve aumento de 11,4% nos preços |
Assim, ressalta a economista do Itaú Julia Passabom,
é possível ver nos índices de inflação um grupo positivamente afetado
pela pandemia, como alimentos, itens de higiene pessoal e produtos para a
casa, que têm experimentado aumento de preços, e outro negativamente
afetado, como alimentação fora do domicílio, vestuário e turismo, que
tiveram a demanda reprimida pelas medidas de isolamento social e pelo
aumento do desemprego.
E isso não apenas no Brasil. O mesmo fenômeno se repete nas estatísticas dos Estados Unidos e da Zona do Euro.
O
aumento do poder de compra proporcionado ao consumidor pelo grupo
negativamente afetado, onde os preços subiram menos ou até caíram, é
menos perceptível para a maioria justamente porque a pandemia mudou a
cesta de consumo do brasileiro.
O grupo de vestuário, por
exemplo, entrou no quarto mês consecutivo de deflação, mas são poucos os
que estão indo ao shopping para renovar o guarda-roupa. Como estamos,
de maneira geral, frequentando mais o supermercado, fica a sensação de
que tudo está mais caro.
"A gente tem um comportamento super
atípico da inflação brasileira (pressionada para baixo por causa do
efeito da recessão e da recuperação lenta da economia), mas inflação não
sai do noticiário. Está batendo em alimentos, e todo mundo vai ao
mercado, fica escandalizado com os preços", comenta a economista do
Itaú.
Exportações mais lucrativas
Outra
razão para o aumento dos preços vem do câmbio. O dólar mais caro
estimula as exportações, já que os produtores conseguem rentabilidade
maior no mercado externo.
Ao mesmo tempo, a demanda está aquecida
em países que viram parte da cadeia de alimentos ser afetada pelas
condições climáticas ou pela própria pandemia, empurrando as cotações de
commodities para cima.
A China, por exemplo, vem recompondo seus
estoques — e pressionando os preços de commodities como a soja. As
exportações do grão cresceram em volume quase 25% em agosto, em relação
ao mesmo período de 2019, conforme os dados da balança comercial
divulgados pelo Ministério da Economia.
"O grão mais caro vira
ração mais cara, que vira carne mais cara. Tudo vai na mesma direção e
sinaliza mais inflação à frente", pondera Passabom.
![]() |
No caso do arroz, o preço da saca de 50 kg deu um
salto no mês, passando de R$ 73 no dia 11 a R$ 94 no fim de agosto, de
acordo com o boletim mais recente do Centro de Estudos Avançados em
Economia Aplicada (Cepea). As exportações somaram 212 mil toneladas, 98%
mais do que em agosto de 2019.
Com o produto mais competitivo lá
fora, o país está entrando inclusive em novos mercados. Desde maio,
passou a exportar arroz também para o México, após um acordo que retirou
barreiras sanitárias que há anos dificultavam as vendas.
Isso
aconteceu depois que os Estados Unidos, principal fornecedor do grão
para o país, elevaram os preços do produto diante da entressafra e da
redução dos estoques.
O Brasil também vendeu mais açúcar por
conta da seca na Tailândia, o segundo maior exportador do mundo, que
passa por um período de seca. Como resultado, os embarques da commodity
cresceram 118% em volume em agosto, quando se compara com igual período
de 2019.
O dólar apreciado tem impacto ainda sobre os preços de
combustíveis, que seguem as cotações internacionais, diz Sales, da
Fipecafi.
Reajustes na gasolina e no diesel acabam tendo impacto
indireto em diversos setores, entre eles o agronegócio, já que encarece o
custo de frete.
Nos dados de agosto divulgados pelo IBGE, o grupo
transporte teve a maior alta entre os 9 grupos acompanhados pelo
instituto, de 0,82%.
IPCA
Variação em agosto
Grupos | Em % |
---|---|
Índice Geral | 0,24 |
Alimentação e bebidas | 0,78 |
Habitação | 0,36 |
Artigos de residência | 0,56 |
Vestuário | -0,78 |
Transportes | 0,82 |
Saúde e cuidados pessoais | 0,5 |
Despesas pessoais | -0,01 |
Educação | -3,47 |
Comunicação | 0,67 |
Nenhum comentário:
Postar um comentário