sexta-feira, 11 de setembro de 2020

O especialista

O Brasil é composto de 200 milhões de multiespecialistas, mão de obra especializada em assuntos gerais. Se a Apolo 11 tivesse partido daqui teríamos chegado à lua muito antes dos americanos, até porque somos craques em viajar em rabo de foguete. O brasileiro não se intimida diante de dificuldades, como mostram as redes sociais com sua legião de técnicos, coachs da vida alheia, gestores de pandemia, cientistas, legistas, juristas, gente capaz de resolver de parto de pulga a atracamento de navio.

Esse otimismo funcional gera improvisações, custo operacional e desastres existenciais. Esta semana li que um cidadão resolveu botar fogo em seu carro para receber o seguro. Só que fez isso junto a uma reserva florestal, o fogo do carro se espalhou e incendiou a mata. Resultado: perdeu o carro, não recebeu o seguro, e foi processado e multado por crime ao Meio Ambiente.

Isso me lembrou um amigo, que vou chamar de Guilherme-um nome falso para proteger sua identidade-, e que forma um divertido casal com sua esposa. Na última festa de formatura que fomos, depois de dançarem, enquanto ele chamava atenção com uma gravata do Mickey, ela disse:
- ave maria, não aguento mais esse homem!
- e porque tu não larga?
- eu não, vai que na outra encarnação botam ele pra mim de novo. Não, vou cumprir minha sentença toda logo, pra não arriscar, diz entre gargalhadas

Depois de aposentar Guilherme foi morar em um novo condomínio, afastado da zona urbana. Fez uma casa de madeira, em um alto, vizinho a uma fazenda. Em um fim de semana, verão no auge, pastagem seca, estava na piscina com os filhos, quando foram atacados por algumas abelhas. Guilherme descobriu que havia um enxame em uma árvore, no limite do terreno. A mulher aconselhou chamar os Bombeiros, mas ele já tinha calibrado a formação especializada com algumas cervejas e disse que sabia como resolver, pois, tinha experiência com maribondos e era a mesma coisa.

Antes que a mulher piscasse o Guilherme, como um Quixote, já saia da casa com uma vassoura com um tufo de pano, papel, embebido em querosene, no qual tocou fogo e partiu para enfrentar a inimiga. No início o plano parecia funcionar, só que ele não contava com o vento do verão, que levou faíscas para o pasto seco da fazenda.

A dimensão foi tamanha que chegou Polícia, Bombeiro, Defesa Civil, voluntários, para combater o incêndio. Nessa hora o Guilherme já estava mais mofino que marido chegando de madrugada, e com uma mangueira de jardim muito fina molhava a parede da casa de madeira para não queimar. Foi quando o Comandante dos Bombeiros chegou para conversar, com ar desconfiado.
- Bom dia, o senhor sabe como começou esse fogo?
- Não, sei não, estava na piscina quando vi o fogo. Só deu tempo para minha mulher correr com os meninos para meu vizinho - o cúmplice- e pegar essa mangueira para salvar minha casa.
-Tem certeza? Pela área queimada o fogo começou por aqui. Não havia nada?
-Vou ser sincero, não é que eu queira acusar ninguém, mas vi uns operários nas casas que tão fazendo ali em cima fazendo um fogo para esquentar comida.

O especialista em abelhas escapou da culpa pelo mais monumental incêndio rural paulista, mas serve de exemplo para um conselho: use sempre mão de obra especializada. Em caso de abelha no quintal não chame o Guilherme, chame os apicultores. Ou se chamar, avise os Bombeiros.

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