domingo, 6 de dezembro de 2020

Gato por porco . E ai?

Carnívoro? Não, ninguém poderia falar isso dele. Não gostava de churrasco, primeiro  porque não gostava mesmo. Aquela carne crua, parece que  estava vendo o pobre boi sendo engolido pelas pessoas, sem qualquer chance de escapar. Segundo porque amava os animais “coisa do espírito!” dizia sempre. Assim  evitava comer  carne. Uma vez ou outra uma galinha caipira, ou peixe, embora o que ele gostava mesmo era de carne de porco, mas havia sempre um empecilho já que essa carne não era recomendada e a saúde deve estar em primeiro lugar.

Com esses pensamentos pouco comuns aos que nascem e  crescem na zona rural, onde  caçar é uma prática corriqueira que começa na infância com um badogue (baladeira) e logo depois ascende para uma espingarda de socar, era olhado com certa estranheza por alguns  amigos, até pelo fato de ter um pato de estimação e dois gatos, além de um cão. Aliás   quase todo sertanejo cria um cachorro.

Tinha o convite de Carlos, um bom amigo, para aparecer na casa dele no domingo e bater uma viola fazendo dupla “assim como Tonico e Tinoco ou Pena Branca e Xavantinho”  sertanejo raiz que ele gostava muito.  Iria aparecer antes de 10 horas porque tinha de voltar para o almoço em casa. Ainda era solteiro, mas para sua mãe, dona Francisca, continuava sendo “meu menino”.

Viola afinada, Carlos era bom nisso, ele também não era de se jogar fora, começaram: “Saudade  de minha terra”, “João de Barro”,  “Franguinho na panela” e por ai. Logo chegou o Bráulio morador nas redondezas  e o Calixto, primo de Carlos. A brincadeira rendeu, principalmente diante de uma garrafa da cearense Sapupara. “Agora é hora do almoço” decretou Carlos, após consultar d. Isabel, sua atenciosa esposa.

Para não ser deselegante com o Carlos e os demais presentes, além de dona Isabel, terminou cedendo depois de muita insistência. “Sei que você não gosta de carne, mas tem um bacorinho especial. Esse eu mesmo fiz com Belinha pra você”. Pra que  negar, não parecia porco, mas o assado estava espetacular. Não repetiu porque não era do   seu feitio.  Mas até que pensou.  Recusou o doce de leite e logo Carlos provocou “gostou da comida e do porco?”. Claro e não ia negar, mas estranhou a pergunta seguinte.

“E era porco mesmo ?  Você gostou, mas tem certeza mesmo que era um bacorinho?” Não entendeu muito bem o questionamento do amigo, mas confirmou “claro que foi porco”. O riso de Carlos e de d. Isabel deixou-o desconfiado. “Nada de porco amigão, foi gato. Um gato que apareceu aqui e comeu meu azulão. Hoje  nós comemos ele”.  

Olho por olho dente por dente e para não deixar dúvida pediu à mulher “Belinha traz o couro do bicho ai”. Quase colocou tudo para fora. Também de nada valeria, infelizmente já tinha traçado o pobre do miau mesmo. De relance lembrou os seus dois gatos. Levantou, deu boa tarde e riscou de sua agenda aquela boa amizade!

 

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