Há um enorme silêncio nesse
domingo, como se a cidade estivesse em exílio de seus ruídos
incessantes, sem o vai e vem de costume, e de repente ficasse tão
deserta que escutamos até a voz de um vizinho gritando no andar de
baixo. Sim, vizinhos tem voz, é bom lembrar, já que não andamos
escutando ninguém.
A campanhia toca. É uma moça que vem trazer uma frigideira de maturi. Eu e ela, prevenidos, usamos máscaras. Sinal dos tempos.
Ela me diz: a doutora Iracema que mandou trazer pro senhor.
Agradeço, sabendo que o domingo será melhor, pois, a vizinha, além do
maturi, botou fama na cidade com o vatapá - que adoro - e o bobó de
camarão, que não arrisco, desde que descobri uma alergia tardia, ao dito
cujo.
Da janela vejo que os flamboyants da Getúlio já tingem de fogo o céu
que nos cobre, e o vermelho exuberante diz que a vida continua bonita,
com seus delicados milagres, apesar de toda ameaça. Um ou outro
motoqueiro quebra a monotonia da rua e uma família aproveita para andar
de bicicleta com os dois filhos. Até os micos das mangueiras em frente
ainda não apareceram certamente obedecendo a ordem de ficar em casa.
Bem cedo fui ao hospital dar alta a um paciente e parei na banca
–obrigatória- de seu Osvaldo, na Getúlio, para comprar os jornais- cada
vez mais escassos- e as revistas da Turma da Monica, para meu sobrinho
Antonio. A banca tem cada vez menos impressos e os impressos cada vez
menos páginas, e assim vamos testemunhando um mundo que se encerra para o
nascimento de outro. Toda ruína, tem um parto.
Os jornais são quase uma cópia de informações dos outros dias, os
mesmos destaques, a mesma falta de empatia do presidente, as previsões
em metamorfose do ministro da saúde sobre as vacinas, os opositores do
isolamento social, e as dores e os dramas familiares que vão se
acumulando e às vezes se tornam manchete, e não só, estatística. Ainda
que tantos já tenham uma história própria para contar.
Leio que tivemos a pior semana desde que começou a pandemia, e que o
número de mortos foi um triste recorde, mas que mesmo assim há grandes
festas clandestinas em todo país.
Nesses tempos de tormentos o dia passa em longos minutos, sem barulho. São todos, minutos de silêncio.
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