quinta-feira, 4 de março de 2021

O artista que eu não fui

        Desde que me entendo por gente que eu gosto de cantar. Antes mesmo de completar cinco anos eu aprendia músicas no rádio e ficava cantando pela casa enquanto brincava com meus brinquedos. Dizem que uma tia minha chorava quando me ouvia cantar, porque todo mundo achava que eu não me criaria, vez que tinha graves problemas de saúde. Lembro que uma das primeiras músicas que aprendi no rádio foi Boneca Cobiçada. Na escola, quando havia alguma comemoração, eu era o cantor oficial da turma. E assim eu fui crescendo, com uma certa veia artística. Já adolescente, um grupo de colegas formou uma banda e fui convidado para ser cantor. Cheguei a ir a alguns ensaios, mas desisti. É que eu era um tanto antissocial e só gostava de fazer as coisas por diversão, nunca por obrigação. E fui amadurecendo e vendo alguns amigos que viraram artistas, viajando, animando festas, e notei que eles se divertiam cantando e tocando, enquanto os outros dançavam, bebiam e namoravam. Eu pensava comigo: Coisa mais besta. Eles trabalham enquanto os outros se divertem. Pior ainda, como os músicos atraiam as atenções das moças, não era raro acontecerem brigas por ciúmes. E ainda vinham as maledicências: “Tal cantor é bicha. Tal músico é drogado”.

         Assim sendo, eu que sempre fui muito arredio e prezava muito a minha privacidade, desisti de vez de ser um artista, um cantor. Eu era pior do que mineiro. Eu nunca namorava uma garota que morasse na mesma rua ou estudasse na mesma escola. No dia que isso aconteceu, eu acabei me casando. Mas parece que meu destino estava traçado para que eu viesse a ganhar alguma notoriedade, mesmo que apenas na minha cidade. Depois de iniciar a vida como professor, logo me vi guinado à condição de jornalista, profissão que exerci por 35 anos, quando me aposentei. Mas a fama de artista me perseguia. Fui várias vezes confundido com artistas. Eu passei alguns anos fora do jornalismo, e quando voltei, fui cobrir as sessões da Câmara Municipal. Um vereador novato me viu na bancada da Imprensa e perguntou para um colega: O que aquele cantor está fazendo ali”? Um amigo me chamava de “Chico Buarque”, outro de “Caetano Veloso”, fui até confundido em Riachão do Jacuípe com um dos cantores da dupla Teodoro e Sampaio. E pra satisfazer a minha natureza de cantor, eu cantava em bares, festas particulares, Karaokês e em qualquer oportunidade que me fosse dada e, principalmente que eu tivesse vontade.

         Modéstia às favas, eu agradava à plateia e enchia os salões de dança. Lembro que certa vez cheguei no Canto do Forró, próximo ao distrito de Jaguara, e quando entrei havia pessoas nas mesas, mas o salão de dança estava vazio. No Palco, o grupo de Anita do Acordeon. Quando me avistaram me convidaram logo a cantar com eles. Fui lá e quando abri a boca, o salão de dança se encheu na mesma hora. De outra vez, numa seresta beneficente da Associação Cristã Feminina, meu amigo Gelivar Sampaio estava tocando e me convidou para fazer uma pequena participação. Novamente o salão de dança que estava quase vazio, se encheu. Mas engraçado mesmo foi em Jequié, onde eu dirigia a sucursal do Jornal da Bahia. Uma noite fui com Maura a um bar onde havia seresta, e lá havia um conjunto tocando um repertório bem eclético. Como notei que se poderia cantar, me inscrevi e fui chamado. Cantei uma música da MPB, uma em italiano e Only You, que Maura sempre me pedia pra cantar. Voltei pra mesa e no intervalo um dos rapazes do conjunto me abordou perguntando se eu não gostaria de me juntar ao grupo. Declinei gentilmente do convite.

         Eu não toco nenhum instrumento, mas certa vez num bar, numa roda de amigos, o meu amigo, o músico feirense, Cescé, estava tocando violão e cantando pra gente. As garrafas já se acumulavam num pé de parede, e cantoria já se fazia ouvir de longe. Alguém parou num carro e chamou Cescé. Ele me entregou o violão e foi atender ao chamado. Como o pessoal não parou de cantar, eu fiquei batendo nas cordas do violão, só de farra. Cerca de 10 a 15 minutos depois, Cescé voltou, pegou o violão e seguiu tocando, sem que nenhum dos bebuns notasse que eu bati nas cordas aleatoriamente. Mas bebuns são assim mesmo. Eles só querem ouvir o som qualquer pra começar a grasnar alguma música. Se um garçom deixar cair uma bandeja, ele sai dançando. 

        O Dr. Outran Borges estava aprendendo a tocar violão e levou o instrumento consigo para treinar na fazenda do pai onde passaria alguns dias. Foi de ônibus até Itatim, onde pegaria um trem para Baixa Grande. Enquanto aguardava o trem, apareceram dois bebuns pedindo pra ele tocar o violão. Ele argumentou que ainda estava aprendendo, mas os caras não aceitavam e insistiam. Pra se livrar da chateação ele pegou o violão e foi dedilhando algumas notas, enquanto entoava um canção qualquer, no que foi acompanhado pelos dois bebuns. Pra sua sorte, o trem não se demoro e ele pode parar e guardar o violão. Mas não sem antes ouvir um elogio dos dois “parceiros”: Toca pra caralho”!

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