Tudo que é bom acaba, inclusive, para usar termo de antanho, a esbórnia estudantil. A mesada escasseia e a gente tem que trabalhar. Aí, você que se acha a pedra que falta na muralha universal, o mais sábio dos médicos, parte para o mercado. Reforma consultório, bota umas gravuras de gosto duvidoso, nome lustroso na fachada, acreditando que vai ser mais procurado que sex-shop. Em realidade tem dias de vazio aterrador e quando aparece o primeiro cliente dá vontade de levá-lo para jantar, batizar o filho. Só muitos anos depois o consultório bota fila. A consulta de convênio é mais barata que botijão de gás, mas, apesar disso, achava que a vida ia melhorar já que o consultório tinha uma multidão na sala de espera. Foi quando um imprevisto mudou o destino.
Havia ampliado a sala de espera a pedido de minha secretária -aliás, pessoa decisiva no sucesso profissional-, para melhorar os negócios, mal sabendo de que negócios ela falava. Verdade que achava o fluxo de pacientes menor do que o movimento e notei que ao passar havia um silêncio, um recolher de bolsas, algumas mulheres arfavam, outras cruzavam subitamente as pernas, mas achava que eram coisas de antessala. Vez por outra uma cliente dizia: “ Doutor, o senhor não imagina o que acontece na sua recepção”. Eu dizia: “Não mesmo”, mas achando que era coisa de muita paciente junta traçando a vida alheia.
Como o cão está sempre de prontidão, marquei viagem, perdi o voo, e retornei de forma imprevista. Ao entrar na clínica deparei-me com a razão do sucesso. A sala parecia filial de loja de departamento, tamanha a quantidade de calcinhas espalhadas. Um bando de mulheres entre gritinhos e risos excitados escolhia calcinhas dos mais diversos tipos e tamanhos, algumas, ouso dizer, incapazes de caber ali dentro um mínimo órgão feminino.
Minha presença provocou pânico, inclusive em duas que saíram do banheiro em evidente estado de euforia, enquanto minha secretária emitia conselhos. Sim, ela dava consultoria sobre as melhores combinações, o poder afrodisíaco de cada calcinha, e até de acordo com o tamanho do bilau que, segundo ela, mulher que diz que tamanho não é documento é porque nunca viu um documento de tamanho. Havia calcinhas para incendiar limites, recuperar marido desinteressado, seduzir amante escorregadio, numa vastidão de opções terapêuticas de deixar com inveja meu pobre arsenal de remédios.
Houvesse um incêndio a sala não se esvaziaria tão rápido. Mesmo informado que toda semana ela pagava algumas consultas particulares para mim, numa espécie de aluguel simbólico do ponto, fui obrigado a mandar a bacante embora. E, agora, estou eu aqui, no consultório, sem ter o que fazer, escrevendo, e sentindo falta de minha vendedora de calçola.
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