- Perdoe não vir antes, mas tudo parece longe demais.
-A maior distância do universo é a que separa o alvorecer do crepúsculo.
- Verdade, por isso abasteço com vinho minha quilometragem.
- Você brinca com tudo. Perde o amigo, mas não perde a piada.
- In vino veritas. Ou pelo menos, o alivio da insônia e da distância das moças, como me disse.
- Mutatis mutandis, o que importa é a liberdade individual, a autonomia da vontade, por isso pedi sua ajuda.
-Sim, mas as leis também falam de autonomia privada. Podemos querer tudo, mas nem tudo que queremos é permitido querer.
-A leis não previnem limitação do movimento, distanciamento sexual e ocaso celular.
- Ela foi feita para o Estado por estudiosos e profissionais especializados.
- Todos, ainda, capazes de limpar a própria bunda.
- Você anda adotando novos referenciais filosóficos, sem dúvida.
- Não é isso e sei bem que Hobbes descreve a vontade como a soma de todas emoções. O conatus do corpo que se traduz fisicamente como "vontade de sobreviver”. Mas essa vontade é minha e não de sacana nenhum.
- Você vai de Hobbes ao cabaret de Alaíde com agilidade.
- Quero apenas ser assistido no meu desejo. Sou meu locador e locatário. E decido quando encerrar o contrato de aluguel.
-Bem, pode parecer só um egoísmo platônico.
- Egoísmo não é viver à nossa maneira, mas desejar que os outros vivam à nossa maneira, disse Oscar Wilde.
- Seus amigos, filhos, colegas, amam você.
- Eu acredito e dei a vocês o melhor de mim. Embora Nietzsche diga que todo amor é amor próprio. Pense em quem você ama. Cave bem fundo e verá que não ama a eles; ama as sensações agradáveis que esse amor produz em você! Você ama o desejo, não o desejado.
-Fundamentar a moral só no amor próprio é um equívoco, como disse Hume. Prefiro a opção dele que defende a paixão como fundamento.
- Era um empírico.
-Hahahahaha, ainda lhe resta algum humor.
-Não sou amargo. Fui feliz. Escrevi ridículas cartas de amor, amei mais que podia, tive sucesso e reconhecimento. Meus livros foram lidos por milhares e nem eram autoajuda.
-Então, veja: você debulhou a vida grão a grão, plenamente. Não pode deixar de coar nenhum, até o derradeiro, como uma especiaria.
-A ternura com que você me olha é um manto de Deus, mas como, padre Vieira, acredito que só existimos quando fazemos, quando não fazemos, apenas duramos. Fizemos essa longeva e extraordinária viagem juntos, meu filho, e é um privilégio inigualável ser seu pai. Nosso amor continuará a repercutir no universo, mas preciso fazer essa última escolha com dignidade. Me ajude a não durar, apenas.
-Pai!
- Te amo. De lá te ensinarei a ser forte!
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