domingo, 19 de junho de 2022

 


* Palavras-pássaros*

Crônica furtada à pandemia 

Excepcionalmente, aqui estou ao bar-proibido, na instável condição de bem sequenciar meus pensamentos. Basta haver concebido um caminho a trilhar para surgir indesejável sacripanta pela retaguarda. 

Chegasse calado, tudo bem. Sem dar-se conta, o intruso ao espichar olhar curioso sobre meus azuis garranchos, tapeia-me as costas. Adeus fada inspiradora! 

Quando o narrado é tudo, dou-me por feliz, posto ainda restará tempo para turbinar neurônios e retomar o fio da meada. Até aí, tudo bem. A coisa piora quando o inesperado aparecido não se dá conta do significado de meu laconismo, contrapartida às suas impertinências. 

- Como vai você? Está escrevendo?  Por onde tem andado? Outro dia, até pensei em você, seu sumido. 

Assim, flagelado por um borbotão de perguntas, tenho tolhida a emergente inspiração, motor de minhas pernas em direção ao bar. Inspiração, como não poderia deixar de ser, também desejosa estar em conluio com as louras maltadas.

 A súbita interrupção lança-me aos braços do prosaísmo de uma comunicação insossa, todavia, sendo jogador não perco a vaza. Confio em meu taco, deito mais fichas ao pano verde, peço duas cartas. Duas cartas? Força de expressão. Peço isso sim, ao ilustre passageiro a mim tangente, dois minutos, dois míseros minutos para permitir-me concluir a jogada. 

Paulo 200, o atencioso proprietário, chega-se a mim, bandeja às mãos, outra loura. Discreto, indaga se o personagem houvera sido inconveniente. Respondo de forma negativa e encareço, sirva-lhe em meu nome, uma das irmãs das louras holandesas habituais da casa. 

Graças a tanto, vácuo de silêncio abriu-se, levando-me a rememorar miraculoso fato, à claridade do plenilúnio de ontem. 

Talvez, a noite tenha sido iluminada, sem perceber, pelo fulgor de algum desorientado cometa a riscar o espaço em direção à roça. Na realidade, fora uma noite simples, daquelas frias impondo agasalho para sentirmo-nos confortáveis. De olhos abertos, sonhei com uma tríade a aquecer palavras na lareira de seus íntimos, compartilhando-as triangularmente. Feito festejado pela quadrinha a seguir. 

Três são os escritores, cada qual numa cidade: uma dama, dois senhores, humaníssima trindade. 

Contrito, deitei palavras na manjedoura estuário de tal acontecimento. Tanto, todavia, não passou de um flerte, curtido pela janela de um supersônico em meio às nuvens. 

Supostos espadachins de letras, imaginei um trio a esgrimir floretes.

A empreitada, todavia, foi breve. Após alguns ensaios, a dama – autora embrionária da ideia -, deu-se por atarefada. Desde então, respeitou-se seu silêncio. 

O parceiro remanescente, mineiro de quatro costados, escarafunchador de textos, amigo-correspondente a milhares de dias, segue antenado em ininterrupto intercâmbio. 

Em meu pulso, o Hublot anuncia 13 horas.

O tempo escoou-se nem me dei conta. 

O entorno esvaziou-se.

A segunda loura maltada calou-se.

Outra loura?

Nego a extensão de tal companhia.

Peço a conta e rumo a casa onde, por hábito, o almoço costuma ser tardio. 

Depois, ao computador libertarei as palavras aprisionadas nestas linhas e as farei pássaros. 

Palavras-pássaros, asas ao vento.



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