quinta-feira, 9 de abril de 2020

Del Feliz: Embaixador do Forró


Nesses tempos de pandemia de Covid-19, dengue, chikungunya... nada melhor para descontrair do que ler e conhecer a história de vida desse jacuipense, nascido no distrito de Barreiros (Riachão do Jacuipe), com passagem por Feira de Santana e radicado em Salvador, contada pela jornalista Luciana Leal nessa ótima entrevista no site Nossa Janela. Vamos esquecer um pouco as preocupações, desligar das notícias ruins e conhecer um pouco de Del Feliz. Segue, na íntegra, a entrevista. E no final, vejam o vídeo "Prá gente se abraçar."
"Não é à toa que ele é conhecido como o “embaixador do forró”. Sua música tem o objetivo de expandir a cultura nordestina, levar  mensagens de esperança e positividade, além de levantar reflexões. Dono de um carisma sem igual, Del Feliz nos atendeu com muito entusiasmo, simplicidade e  bom humor. "

NJ: Del, como nasceu a paixão pela música e como foi o comecinho da sua carreira?

Del Feliz: A relação com a música sempre existiu na minha família por parte de mainha e foi uma influência muito forte pra mim. Reisado, samba de roda, chula… lembro muito de mainha cantando enquanto raspava mandioca ou lavava roupa no rio. E a gente aprendia aquelas cantigas. Depois vieram as participações em pequenas bandas e a partir de vinte e poucos anos, quando já trabalhava na rádio, consegui trocar uma mesa de som que eu tinha por um teclado e a partir dali comecei a aprender a tocar o instrumento. Mas minha carreira profissional começou no ano de 1999 quando gravei meu primeiro CD. Já estava cantando na noite e ali comecei a montar a estrutura do que seria a minha primeira banda.Toda minha história foi delineada a partir do momento que decidi cantar forró e ali nasceu a carreira profissional de Del Feliz. 

NJ: Você tem uma história de superação. Gostaria de dividi-la com a gente?

Del Feliz: Sempre que conto minha história, não posso deixar de citar minha mãe, ela é fundamental. Cresci ouvindo minha mãe cantar, mas o mais importante é o exemplo que recebi dela. Ela sonhou que eu nascesse homem, pediu a Nossa Senhora Aparecida (de quem ela é devota até hoje) e eu nasci dia 12 de outubro. A relação da gente sempre foi muito especial, ela sempre dizia que eu ia ser o grande homem da casa, que ia cuidar de toda a família e eu comecei a trabalhar praticamente quando comecei a andar. Plantava feijão e milho, acordava 4 h da manhã e ela me levava no colo durante o trajeto porque eu ainda não tinha condições de caminhar tanto. Chegando lá, eu plantava mesmo. Cresci  tendo que fazer muita coisa mas isso nunca foi um fardo pra mim. O dinheiro todo que ganhava dava pra minha mãe e ela me dava o que achava que podia porque eu tinha esse senso de responsabilidade, de arrimo de família. E ela deu exemplos lindos, lavava a roupa da minha professora para que eu estudasse com a melhor professora da região. Ela não poderia comprar a conga, o material escolar, então ela lavava a roupa e a professora dava o material suficiente. Às vezes ela ganhava uma panela de carne  ou de qualquer outra comida, do pessoal que mandava pra a gente porque sabia que a gente tinha pouco.  Depois que a gente comia, ao invés de de guardar para o dia seguinte, ela dava pra a gente levar para o outro lado da rua, pra uma família tão pobre quanto a nossa, que também não tinha carne para comer e tinha mais filhos do que ela. Foram muitas lições maravilhosas! a gente levava comida pra ela no rio onde lavava roupa, ela olhava, cheirava e dizia que o cheiro estava incomodando e mandava a gente ir comer longe. Mas na verdade, ela estava morrendo de fome, não comia para que a gente pudesse se alimentar melhor, já que  a comida era pouca. A primeira música que fiz no meu primeiro disco foi justamente contando essa história e é uma das músicas que eu mais gosto de cantar até hoje. Então é isso, vou registar sempre com muito carinho, minha mãe como sendo parte vital da minha história. A ela devo tudo, os ensinamentos, os exemplos. Ela me deu valores infinitamente mais importantes do que dinheiro ou qualquer outra coisa material que o dinheiro pudesse comprar. 

NJ: Conte-nos um pouco sobre a história da “varinha mágica.”

Del Feliz: Essa é  uma das muitas histórias da minha infância. Como disse anteriormente, fazia muita coisa para ganhar dinheiro e ajudar no sustento da casa. Eu andava 9 km a pé  (ia e voltava, no total de 18 km) para buscar couve e vender de porta em porta. E o que muito me estimulava a fazer esse trajeto era acreditar que iria encontrar uma varinha mágica. Então, quando achava um pedacinho de pau pelo caminho, mentalizava que quando chegasse em casa encontraria bicicleta, comida, dinheiro, roupas, coisas que a gente não tinha. E imaginava principalmente um teto diferente na casa da gente porque o  nosso teto era muito ruim, tinha rato em cima da casa, a telha era artesanal, que minha mãe fazia. Então pingava quando chovia, tinha goteira, botava penico em cima da cama pra aparar e a gente conseguir dormir. O colchão era de capim, mas o teto era muito ruim, passava bicho de noite, eu deitado dormindo via aquilo, caia uma poeirinha e eu não me conformava. Eu sonhei muito com essa varinha e só depois de grande eu me dei conta que todas essas varinhas eram mágicas. Essa é uma das histórias que será contada em detalhes do meu livro que deve estar saindo até o ano que vem, se Deus quiser. 

NJ: Qual importância do cordel na sua trajetória?

Del Feliz: A história do cordel foi muito legal porque eu  fiz uns versinhos e o pessoal achou interessante. Eu não sabia que sabia mas na época eu era um menino reconhecido por, modéstia à parte, fazer tudo bem feito. Se eu ia vender geladinho, queria ser o melhor vendedor de geladinho. E aí acabei ganhando a fama de que fazia as coisas direitinho. E o cordel surgiu lá como uma espécie de exercício, tarefa de Fátima da escola e eu me saí bem. Aí me encorajei, comecei a subir em um caminhão, ia e voltava de Conceição do Coité de carona para ler meus poemas. Lá eu conheci um rapaz chamado Nelcy Lima da Cruz, poeta de Santa Luz, um cara espetacular e foi muito bom pra mim. Depois conheci José Rodrigues e juntos fizemos muitas coisas e até hoje eu gosto muito de Cordel. O cordel é algo que acredito que deveria ser incentivado, o nordeste tem uma riqueza incrível nesse campo e floresceu em uma época em que havia muito preconceito. Acho que o cordel deveria ser reescrito hoje com um tom diferenciado porque é muito saudável, muito bonito e muito rico. 

NJ: De onde busca inspiração para as suas canções?

Del Feliz: Uma coisa que marcou desde o início foram as minhas vivências, as experiências. Tanto que no meu primeiro trabalho fiz uma homenagem a varinha mágica que faz parte da minha história e de minha mãe, dona Nicinha. Fiz também uma música que falava em Barreiros, minha raiz. De lá pra cá me vejo mais feliz, mais solto com minha história. Nesse último disco, pra você ter uma ideia, conto um pouco da minha infância em uma música chamada “Brincar de Crescer” e nos últimos tempos venho identificando muito meu trabalho com mensagens que acho que fazem parte da responsabilidade social do artista. Em 2017 fiz uma música chamada “Abra a Porta” que chama atenção para o respeito à diversidade e ela foi premiada. Depois fiz uma música chamada “Eu Sou o São João”, que também foi premiada e no ano passado foi a música do ano no Nordeste. Ela fala sobre cultura, sobre nossas raízes. Fiz uma música chamada “Ser mais do Que Ter” justamente pra ter o que dar, uma mensagem muito voltada para sensibilidade, solidariedade humana e essa música se transformou em tema de simpósio, campanha solidária, no interior virou campanhas de TV  e sensibilizou muita gente. Acabei de fazer essa música “Pra  Gente se Abraçar” que é uma canção que viralizou muito rapidamente. Fiz essa música baseado na minha experiência de chegar da Europa, ficar de quarentena e por amor a minha mãe, a minha família não poder me aproximar deles, não poder beijar, abraçar e isso ser um gesto de amor. Foi exatamente isso que coloquei na letra.  Quem diria que “lavar as mãos” teria um sentido inverso ao que tinha antes e que significaria se importar de fato com a pessoa? A letra ficou muito forte e no final traz uma mensagem de esperança que é algo muito marcante nas minhas músicas. Penso que a música é um meio de comunicação potente em que as letras precisam estar em consonância com alguma responsabilidade. A gente nunca sabe quem são as pessoas que ela vai alcançar, em qual momento da vida, qual a sua situação psicológica. Então, ela pode ser triste, pode ser brincalhona, pode ser qualquer coisa. Mas ela tem uma responsabilidade e tem limite pra tudo. Não falo de censura, falo de bom senso, de responsabilidade. 

NJ: A autocrítica interfere na criatividade?

Del Feliz: A autocrítica interfere em tudo. Eu tive uma dificuldade muito grande no começo da minha carreira porque achava que nada estava bom e isso me atrapalhou muito. Era óbvio que algumas pessoas percebiam, perguntavam porque eu estava mais fechado, mais triste. Sempre achava que a banda não estava legal, que o repertório não estava bom e aí haja sofrimento. Já com anos de carreira, já chegando perto do The Voice, mais ou menos em 2015, achei meu tempo. Tive uma conversa comigo mesmo, fiz uma reforma interior e aí fui cuidando com muito ensaio, com muita preparação para que as coisas ficassem ainda mais profissionais e eu pudesse subir no palco com mais tranquilidade, mais leveza, mais segurança. E acho que quando a gente acredita que está bom as pessoas também recebem essa energia e dá tudo certo. Até hoje ainda me cobro muito, quero sempre fazer o melhor, a estrutura tem que ficar a melhor possível. Mas eu tenho a sorte de estar cercado por excelentes profissionais e isso ajuda muito.

NJ: Ao longo de sua carreira, o cantor e compositor  você já fez parcerias musicais importantes com nomes da música, como: Dominguinhos, Maria Bethânia, Elba Ramalho, Michel Teló, Fagner, Geraldo Azevedo, Dudu Nobre e Carlinhos Brown. Quais são os momentos da sua carreira que poderia citar como os mais marcantes?

Del Feliz: Todos os artistas que fizeram parte da minha carreira são fundamentais. Todos eles. Não poderia citar um nome porque são muitos nomes e todos são muito marcantes para a música popular brasileira. Mas por outro lado, gostaria de registrar que muitas parcerias marcaram a minha história com pessoas que estavam começando e que depois me ajudaram muito. Eu tenho um parceiro chamado Adail Mena que é do Sul do Brasil e é o parceiro que fez o maior número de músicas comigo. Ele não era conhecido como compositor, mas já era poeta e escritor. Ele era apaixonado pelas minhas músicas, escreveu algumas coisas e eu gostei demais. Aí a gente foi escrevendo música juntos, escrevemos muita coisa boa. E outras tantas pessoas. Eu fiz música com minha mãe que já era uma compositora nata de fazer samba, chula, reisado, mas nunca apareceu como compositora de nada. Muita coisa bacana veio de parcerias de muita gente que não era conhecida no meio e eu acho que a gente ganha muito, a gente cresce muito na troca. Mas é claro que me honra de maneira muito especial ter sido recebido no meio musical e conseguido abraçar e ser abraçado por esses ícones todos. Mas registro com muito carinho essas parcerias todas porque com todas elas eu cresci. A gente troca, a gente passa e a gente recebe tanto com os ícones quanto com aqueles que são anônimos.
NJ: Conte-nos um pouco sobre os projetos Cantos do Brasil e Forró Del Mundo.

Del Feliz: O “Canto do Brasil” começou com o “Canto da Bahia”. Fui fazendo as músicas em homenagens as cidades, buscando todos os elementos que as identificavam e fazendo as canções. Ele foi extrapolando, virou “Canto do Nordeste” e depois “Canto do Brasil” e me honra muito já ter feito música para algumas das principais cidades brasileiras com reconhecimento, uma série de premiações e parcerias importantes. Já o Forró Del Mundo vem de viajar bastante mundo afora, participando dos grandes festivais, cantando em algumas das grandes casas de show do planeta, levando a nossa cultura, o que muito me honra. Abri as portas para muitos outros artistas também porque é uma tendência minha de agregar, de abraçar pessoas e acho que caminhar junto é sempre mais confortável. E fico feliz de já ter caminhado por dezenas e dezenas de países mundo afora levando a nossa cultura. Não só o gibão e o chapéu de couro, mas levando a verdadeira essência nordestina. 

NJ: Como enxerga o mercado musical no Brasil e as plataformas digitais como nova realidade de trabalho do artista?

Del Feliz: As plataformas digitais são uma realidade. Hoje a tecnologia é decisiva, não tem um outro caminho, uma outra alternativa. Ou você se insere ou você está fora, as pessoas buscam músicas nas plataformas digitais, não ouvem mais cd, os carros não vêm mais com tocador de cd.  Inclusive é preciso ajudar outras pessoas que não estão preparadas, artistas tão talentosos e que ainda não estão inseridos nisso e isso é um desafio nosso enquanto forrozeiros de instruir outras pessoas. Alguns mestres, inclusive, que estão ali isolados naquele cantinho, artistas que muitas vezes não estão preocupados com questões midiáticas, com fama ou dinheiro. Pessoas que fazem cultura pela cultura, pelo amor. O bom senso é fundamental porque a mídia é importante mas não é tudo e temos pessoas que estão bem desapegadas disso, que fazem coisas geniais e que estão ali escondidas. É um desafio dos artistas que têm alguma estrutura tentar inserir essa turma pra a gente valorizar e expandir ainda mais a música nordestina que é tão rica e diversa. 

NJ: Quais são as músicas que não podem faltar em nenhum show?

Del Feliz: Tenho algumas músicas que não posso deixar de tocar nos shows, músicas que marcam. “Mainha” é uma delas, que está desde o primeiro cd. É uma música que marca muito a minha carreira mas tem “Ainda Não Acabou”, que as pessoas cobram. “Eu Sou São João” também é uma música que entrou no repertório pra não sair mais. Agora das mais recentes “Tudo o Que Eu Queria” é uma música que todo mundo pede onde a gente chega. E “Espumas Ao Vento”, obviamente, é uma marca muito grande não só por ter participado do The Voice, mas pela homenagem que fiz a Accioly Neto. Algumas músicas canto com a minha alma porque eu gosto e eu amo essa canção, ela tem uma simbologia pra mim. São muitas músicas, mas eu diria que essas aí são bem marcantes. 

NJ: Dentre as suas canções, qual trecho melhor retrataria seu momento atual? 

Del Feliz:  o trecho de música que talvez melhor identifique o meu momento atual é:
 “Ser mais do que ter pra ter o que dar. 
Espalhar coisas boas no ar
Ser mais do que ter e compartilhar…”
É isso. Acho que a gente tem que repetir isso e exercitar muito. E eu principalmente,  porque sou o cara mais feliz do mundo porque faz o que mais gosta. 

NJ: O que costuma escutar quando está em casa?

Del Feliz: Eu gosto de ouvir todo tipo de música possível. Gosto de ouvir blues, jazz, pop rock, MPB, forró, chorinho. Gosto de samba, bossa nova, gosto de tudo um pouquinho. Agora realmente a música que eu mais escuto é a música nordestina. Na minha playlist sempre tem alguma coisa de Alceu Valença, Djavan, Gilberto Gil, Flávio José.

NJ: Quais são os seus próximos projetos dentro da música?

Del Feliz: Meu próximo projeto é o meu cd que se chama “Pra a Gente se Abraçar” que é um projeto voltado pra músicas temáticas. Eu estou regravando e fazendo a releitura de algumas músicas minhas pra chamar atenção pra a natureza, pra o respeito a diversidade, pra a questão da solidariedade humana e essa música fala muito sobre esse momento tão delicado que a humanidade está vivendo e ela está ganhando o Brasil e o mundo com essa mensagem. Acho que a gente precisa resgatar um pouco o poder que a música tem de levar mensagens importantes  através das letras.

NJ: Como foi a experiência de participar do The Voice Brasil?

Del Feliz: A participação no The Voice foi muito importante pra mim principalmente porque acho que tudo na vida é aprendizado e ali eu aprendi muito, seja com os técnicos, com os produtores que estavam envolvidos, com os músicos da banda que acompanhavam a gente. A turma que participa do programa é muito competente e tem muito talento e o programa é uma janela importante de espaço pra essa turma toda. Na época, todo mundo comentou que eu fui muito corajoso em participar  e que de fato, talvez, pudesse ter sido ruim pra mim se ninguém virasse as cadeiras porque eu já tinha uma história, já cantava em grandes palcos e tal. Mas pra mim, foi tudo muito positivo, tanto pelo fato de terem virado as quatro cadeiras, pelos comentários que ouvi, pelas  boas críticas do Brasil inteiro e pela oportunidade de estar ali cantando o nosso forró, as músicas nordestinas. Até a forma como eu saí foi muito interessante porque o que prevaleceu foi a impressão de que eu sai porque não precisava mais, porque já tinha uma carreira, uma história. E já tinha uma polêmica muito grande no Brasil inteiro dos jornais questionando o motivo de eu estar ali porque já tinha grandes parceiros na música e uma carreira consolidada. Então, isso tudo pra mim é muito honroso e soou como um grande reconhecimento. Acima de tudo foi uma grande janela de divulgação do meu trabalho para o mundo porque o programa tem uma abrangência muito grande. Fica também a aprendizagem  e a experiência que vou guardar no coração para o resto da vida. 

NJ: Como avalia o título de “embaixador do forró”?

Del Feliz: Muita gente fala isso porque eu viajo muito e sou o artista que muitos reconhecem como o que mais viaja divulgando a nossa música e eu tenho uma honra muito grande de poder fazer isso, faço com muito prazer, com muita gratidão a Deus pela oportunidade. Eu gosto de conhecer culturas, pessoas, lugares, histórias diferentes. Mas fazer tudo isso levando um pouco da nossa cultura é ainda mais prazeroso e honroso pra mim. Carrego no coração e na alma a essência dessa matriz, dessa raiz que está tão espalhada na nossa terra e cada vez mais sendo espalhada pelo mundo. Não me envaidece o título de “embaixador do forró”, mas a experiência, a vivência. Acho carinhoso. Não é  a vaidade pura e simples do título, é a simbologia disso, o carinho das pessoas em reconhecer um trabalho que a gente faz com muito orgulho. 

NJ: O que você acha desse debate que tem havido na internet com cobrança de definições políticas por parte dos artistas? Costuma se posicionar em relação a isso?

Del Feliz: Eu acho uma coisa muito pessoal e nada obriga que um artista tome uma posição de lado político, principalmente no formato do Brasil onde tudo é polarizado e as pessoas se dividiram em dois lados. Eu sou absolutamente contra lado político porque na minha humilde visão, nós temos alguns partidos que vem administrando o Brasil há alguns anos e entendo que todos esses partidos contribuíram, mas todos eles erraram muito mais do que contribuíram, já que a desigualdade social continua e a educação e a cultura não foram tratadas com a devida responsabilidade. Então, por que eu me posicionaria diante de exemplos tão ruins? Os privilégios existem tanto quanto os velhos problemas: a saúde, a educação, a cultura, a distribuição de renda. A gente não vê um bom exemplo da atuação da política em nenhuma esfera. Eu conheço pessoas bem intencionadas, pessoas de bem dentro da política, mas elas são minoria e enfrentam uma estrutura que dificulta e as ameaça. Infelizmente essa é a grande realidade. Mas como eu sou uma pessoa de esperança acredito que em algum momento esse espírito do bem vai se transformar em maioria e conseguir mudar toda essa estrutura que existe. 

NJ: Como é a sua relação com a fé e a religião?

Del Feliz: Minha religião é muito simples, acredito na ética e na empatia.  Acredito em Deus. É impossível, na minha concepção, não existir um ser que comande tudo. Respeito todas as religiões, seria injusto achar que eu estou certo, prefiro acreditar que eu não sou o dono da verdade. Eu não tenho um nome para a minha religião, acho que a religião passa mais pelo sentimento de cada um, pela forma de acreditar e principalmente de se comportar. Eu tenho a minha forma de falar com Deus, independente de ir para alguma igreja ou para  alguma casa de Candomblé e acredito que cada um tem o seu jeito de procurar Deus. Eu acho que a forma mais simples de sintetizar a minha religião é: eu tenho um Deus tão poderoso, tão maravilhoso que eu me coloco todos os dias nas mãos dele, que seja feita a vontade dele. Eu confio nesse Deus, venha o que vier. Acho que respeitar todas as religiões é um caminho e já é uma forma de ter religião porque eu prefiro acreditar que não sou eu que tenho a forma exata, o jeito certo de chegar a Deus. Tenho, sim, a minha maneira de chegar até Ele.

NJ: Quais são as principais mensagens que pretende passar através da sua música?

Del Feliz: Então, eu já fiz canções sobre a natureza, sobre a diversidade, sobre a sensibilidade humana. Teve  a homenagem que fiz pra minha mãe, que é um símbolo pra mim. Acredito que cada um faz música baseado naquilo que acredita. Eu fiz música pra o cordel, pra a viola, pra sanfona, pra o sertão… essa música “Pra Gente Se Abraçar” está ganhando o mundo nesse momento de pandemia, esse momento que a gente precisa renovar as esperanças. E eu acho que uma poesia, uma música séria mas que ao mesmo tempo esteja carregada de amor, de sensibilidade, é fundamental e é isso que eu tento levar, a minha verdade, as minhas sensações, as coisas que eu acredito.  É isso que tento colocar na minha música, sempre respeitando todos que falam o que querem, que brincam, que escracham, eu respeito tudo desde que a música não seja desrespeitosa ou ofensiva com o outro.  Acho que a música tem várias funções mas a minha é levar um pouco de mensagem de esperança e positividade, além de levantar reflexões. Sem nenhuma pretensão de ser o dono da verdade mas tento transmitir  as minhas vivências através da poesia e da música. 

NJ: Uma música que gostaria de ter escrito

Del Feliz: Tem algumas músicas que eu gostaria de ter escrito. “O Que É, O Que É” de Gonzaguinha é uma delas. 

NJ: Uma frase

Del Feliz: Ser mais do que ter para ter o que dar. Eu acho que viajar pelo invisível é fundamental. O mundo precisa mais de amor.

NJ: Um sonho

Del Feliz: Eu sonho muita coisa na verdade (risos), mas vou dizer duas coisas que acho que são fundamentais. Primeiro eu sonho em nunca parar de renovar meu sonho porque eu sou muito sonhador, muito otimista e estou sempre renovando coisas. Mas se eu tiver que especificar fisicamente uma realização, posso dizer que tenho vontade de construir alguma coisa na área social na minha terra, para as crianças, pra deixar um legado, uma contribuição para os jovens.  Eu acho que todo mundo que forma opinião, que tiver chance tem que construir alguma coisa, principalmente de inclusão na área se educação. 

NJ: Um lugar

Del Feliz: Ah eu amo muitos lugares, já são mais de cinquenta países visitados, a maioria levando a nossa música, mas imagine que não tem um lugar mais incrível do que o lugarzinho da gente. Eu passei muitos anos da minha vida tendo que sair de casa, tendo que viajar, que trabalhar para correr atrás dos meus sonhos. Então, se eu tiver que escolher um lugar seria em Barreiros, Riachão de Jacuípe, na casinha que eu tive o prazer de fazer pra minha mãe e exatamente no “colinho” dela. Esse é o lugar mais aconchegante do planeta. 

NJ: Uma música que o faz sorrir

Del Feliz: Ah toda música me faz sorrir (risos). Claro que tem músicas que levam mais para o lado da emoção, mas eu gosto de me descontrair com elas. Eu acho que música geralmente me remete muito a alegria e é por isso que eu uso muito o otimismo nas canções. Mas deixe-me pensar… eu sorrio muito com as músicas da Galinha Pintadinha (risos) porque eu gosto de música feita pra criança com sabedoria e adoro ver criança brincando, ouvindo aquelas canções e dando risada. Geralmente essas são músicas que me alegram muito e me remetem a alegria porque eu vejo as carinhas das crianças, observo muito a forma como elas reagem e quando tenho oportunidade fico brincando com elas também. 

NJ: Uma meta

Del Feliz: Eu espero e luto pra ver o meu trabalho reconhecido e se eu não admitisse isso não seria justo. Eu gosto da ideia de ver o meu trabalho chegar cada vez mais longe e ver a minha mensagem chegar no coração das pessoas. Ver isso se concretizando, muito me alegra. Amo as parcerias que eu faço porque aprendo muito com elas. Então, pretendo ampliar e uma meta é continuar até velhinho, continuar  fazendo  música, fazendo o que mais gosto e semeando coisas boas através das canções.

NJ: Uma saudade

Del Feliz: Das brincadeiras de criança. Curioso que hoje a gente tem muito mais tecnologia, o celular facilita tudo, muita gente tem o mundo nas mãos. Mas ainda sinto falta das brincadeiras de roda. Não sei se estou sendo exageradamente nostálgico, mas eu lembro muito da gente na escola, brincando de esconde esconde, de cinco pedras, das meninas brincando de amarelinha, a gente brincando de gude. Eu acho que era um pouco mais saudável. Posso não estar com a razão, mas sinto falta dessa pureza, das coisas singelas, das brincadeiras que tornavam tudo muito mais forte e mais bacana por ser feito em comunhão, porque a gente se unia pra fazer essas coisas. O mundo precisa de um pouco mais dessa simplicidade, desse contato, dessa troca pura e também de um pouco de ingenuidade. Ninguém pode perder isso completamente, pelo menos um pouquinho deve ser preservado no coração de cada um.

NJ: Del, tem mais algum assunto que queira abordar? Algum recado a deixar?

Del Feliz: Olha, a única mensagem que quero deixar, além de agradecer por falar com vocês, é o registro de que eu tenho refletido muito diante de tudo isso que a gente está vivendo agora e eu tenho a impressão de que o mundo está reagindo para que algumas coisas melhorem e isso depende muito da gente. Nunca foi tão antagônico porque hoje uma demonstração de amor é deixar de beijar, de abraçar.  O significado hoje de “lavar as mãos” é se importar consigo e com os outros, totalmente oposto da conotação anterior. E eu acho que a gente nunca teve a sensação tão forte de que nós realmente somos muito pouco e ao mesmo tempo somos muito, quando a gente acredita no senso coletivo, quando a gente se junta por uma causa. A força dessa energia boa está nos bons pensamentos, na mentalização de coisas boas, na oração pelos outros e pelo planeta, no fazer alguma coisa, no se perguntar o que pode ser feito para promover o bem, no esforço de ajudar alguém por menos que se tenha. Ter um pouco mais de empatia, se colocar no lugar do outro, ser um pouco mais generoso. Eu acho que de saldo a gente vai ter isso porque a gente vive um momento trágico pra humanidade mas ao mesmo tempo,  de muita reflexão e esse planeta nunca mais será o mesmo. Uma nova energia há de se instaurar no coração de cada um numa sintonia global, num pensamento coletivo. 

NJ: Del, muito obrigada por participar da Nossa Janela. Que delícia de bate-papo, que pessoa iluminada que você é, quanta simplicidade, quanto cuidado, carinho e respeito com o próximo. Fiquei muito emocionada com sua história. Que você continue semeando coisas boas através das suas canções, a sorte é toda nossa. 

Del Feliz: Obrigado Lu, estou aqui a sua disposição. Agradeço a você que está nessa área se dedicando pra levar a música e  a poesia para as pessoas que acompanham o seu trabalho. Obrigadão, prazer enorme. Fiquei super comovido com a sua reação, com o seu carinho.

Luciana Leal - Site Nossa Janela  



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