"Não é à toa que ele é conhecido como o “embaixador do forró”. Sua música tem o objetivo de expandir a cultura nordestina, levar
mensagens de esperança e positividade, além de levantar reflexões. Dono
de um carisma sem igual, Del Feliz nos atendeu com muito entusiasmo,
simplicidade e bom humor. "
NJ: Del, como nasceu a paixão pela música e como foi o comecinho da sua carreira?
Del Feliz: A
relação com a música sempre existiu na minha família por parte de
mainha e foi uma influência muito forte pra mim. Reisado, samba de roda,
chula… lembro muito de mainha cantando enquanto raspava mandioca ou
lavava roupa no rio. E a gente aprendia aquelas cantigas. Depois vieram
as participações em pequenas bandas e a partir de vinte e poucos anos,
quando já trabalhava na rádio, consegui trocar uma mesa de som que eu
tinha por um teclado e a partir dali comecei a aprender a tocar o
instrumento. Mas minha carreira profissional começou no ano de 1999
quando gravei meu primeiro CD. Já estava cantando na noite e ali comecei
a montar a estrutura do que seria a minha primeira banda.Toda minha
história foi delineada a partir do momento que decidi cantar forró e ali
nasceu a carreira profissional de Del Feliz.
NJ: Você tem uma história de superação. Gostaria de dividi-la com a gente?
Del Feliz: Sempre
que conto minha história, não posso deixar de citar minha mãe, ela é
fundamental. Cresci ouvindo minha mãe cantar, mas o mais importante é o
exemplo que recebi dela. Ela sonhou que eu nascesse homem, pediu a Nossa
Senhora Aparecida (de quem ela é devota até hoje) e eu nasci dia 12 de
outubro. A relação da gente sempre foi muito especial, ela sempre dizia
que eu ia ser o grande homem da casa, que ia cuidar de toda a família e
eu comecei a trabalhar praticamente quando comecei a andar. Plantava
feijão e milho, acordava 4 h da manhã e ela me levava no colo durante o
trajeto porque eu ainda não tinha condições de caminhar tanto. Chegando
lá, eu plantava mesmo. Cresci tendo que fazer muita coisa mas isso
nunca foi um fardo pra mim. O dinheiro todo que ganhava dava pra minha
mãe e ela me dava o que achava que podia porque eu tinha esse senso de
responsabilidade, de arrimo de família. E ela deu exemplos lindos,
lavava a roupa da minha professora para que eu estudasse com a melhor
professora da região. Ela não poderia comprar a conga, o material
escolar, então ela lavava a roupa e a professora dava o material
suficiente. Às vezes ela ganhava uma panela de carne ou de qualquer
outra comida, do pessoal que mandava pra a gente porque sabia que a
gente tinha pouco. Depois que a gente comia, ao invés de de guardar
para o dia seguinte, ela dava pra a gente levar para o outro lado da
rua, pra uma família tão pobre quanto a nossa, que também não tinha
carne para comer e tinha mais filhos do que ela. Foram muitas lições
maravilhosas! a gente levava comida pra ela no rio onde lavava roupa,
ela olhava, cheirava e dizia que o cheiro estava incomodando e mandava a
gente ir comer longe. Mas na verdade, ela estava morrendo de fome, não
comia para que a gente pudesse se alimentar melhor, já que a comida era
pouca. A primeira música que fiz no meu primeiro disco foi justamente
contando essa história e é uma das músicas que eu mais gosto de cantar
até hoje. Então é isso, vou registar sempre com muito carinho, minha mãe
como sendo parte vital da minha história. A ela devo tudo, os
ensinamentos, os exemplos. Ela me deu valores infinitamente mais
importantes do que dinheiro ou qualquer outra coisa material que o
dinheiro pudesse comprar.
Del Feliz: Essa
é uma das muitas histórias da minha infância. Como disse
anteriormente, fazia muita coisa para ganhar dinheiro e ajudar no
sustento da casa. Eu andava 9 km a pé (ia e voltava, no total de 18 km)
para buscar couve e vender de porta em porta. E o que muito me
estimulava a fazer esse trajeto era acreditar que iria encontrar uma
varinha mágica. Então, quando achava um pedacinho de pau pelo caminho,
mentalizava que quando chegasse em casa encontraria bicicleta, comida,
dinheiro, roupas, coisas que a gente não tinha. E imaginava
principalmente um teto diferente na casa da gente porque o nosso teto
era muito ruim, tinha rato em cima da casa, a telha era artesanal, que
minha mãe fazia. Então pingava quando chovia, tinha goteira, botava
penico em cima da cama pra aparar e a gente conseguir dormir. O colchão
era de capim, mas o teto era muito ruim, passava bicho de noite, eu
deitado dormindo via aquilo, caia uma poeirinha e eu não me conformava.
Eu sonhei muito com essa varinha e só depois de grande eu me dei conta
que todas essas varinhas eram mágicas. Essa é uma das histórias que será
contada em detalhes do meu livro que deve estar saindo até o ano que
vem, se Deus quiser.
NJ: Qual importância do cordel na sua trajetória?
Del Feliz: A
história do cordel foi muito legal porque eu fiz uns versinhos e o
pessoal achou interessante. Eu não sabia que sabia mas na época eu era
um menino reconhecido por, modéstia à parte, fazer tudo bem feito. Se eu
ia vender geladinho, queria ser o melhor vendedor de geladinho. E aí
acabei ganhando a fama de que fazia as coisas direitinho. E o cordel
surgiu lá como uma espécie de exercício, tarefa de Fátima da escola e eu
me saí bem. Aí me encorajei, comecei a subir em um caminhão, ia e
voltava de Conceição do Coité de carona para ler meus poemas. Lá eu
conheci um rapaz chamado Nelcy Lima da Cruz, poeta de Santa Luz, um cara
espetacular e foi muito bom pra mim. Depois conheci José Rodrigues e
juntos fizemos muitas coisas e até hoje eu gosto muito de Cordel. O
cordel é algo que acredito que deveria ser incentivado, o nordeste tem
uma riqueza incrível nesse campo e floresceu em uma época em que havia
muito preconceito. Acho que o cordel deveria ser reescrito hoje com um
tom diferenciado porque é muito saudável, muito bonito e muito rico.
Del Feliz: Uma
coisa que marcou desde o início foram as minhas vivências, as
experiências. Tanto que no meu primeiro trabalho fiz uma homenagem a
varinha mágica que faz parte da minha história e de minha mãe, dona
Nicinha. Fiz também uma música que falava em Barreiros, minha raiz. De
lá pra cá me vejo mais feliz, mais solto com minha história. Nesse
último disco, pra você ter uma ideia, conto um pouco da minha infância
em uma música chamada “Brincar de Crescer” e nos últimos tempos venho
identificando muito meu trabalho com mensagens que acho que fazem parte
da responsabilidade social do artista. Em 2017 fiz uma música chamada
“Abra a Porta” que chama atenção para o respeito à diversidade e ela foi
premiada. Depois fiz uma música chamada “Eu Sou o São João”, que também
foi premiada e no ano passado foi a música do ano no Nordeste. Ela fala
sobre cultura, sobre nossas raízes. Fiz uma música chamada “Ser mais do
Que Ter” justamente pra ter o que dar, uma mensagem muito voltada para
sensibilidade, solidariedade humana e essa música se transformou em tema
de simpósio, campanha solidária, no interior virou campanhas de TV e
sensibilizou muita gente. Acabei de fazer essa música “Pra Gente se
Abraçar” que é uma canção que viralizou muito rapidamente. Fiz essa
música baseado na minha experiência de chegar da Europa, ficar de
quarentena e por amor a minha mãe, a minha família não poder me
aproximar deles, não poder beijar, abraçar e isso ser um gesto de amor.
Foi exatamente isso que coloquei na letra. Quem diria que “lavar as
mãos” teria um sentido inverso ao que tinha antes e que significaria se
importar de fato com a pessoa? A letra ficou muito forte e no final traz
uma mensagem de esperança que é algo muito marcante nas minhas músicas.
Penso que a música é um meio de comunicação potente em que as letras
precisam estar em consonância com alguma responsabilidade. A gente nunca
sabe quem são as pessoas que ela vai alcançar, em qual momento da vida,
qual a sua situação psicológica. Então, ela pode ser triste, pode ser
brincalhona, pode ser qualquer coisa. Mas ela tem uma responsabilidade e
tem limite pra tudo. Não falo de censura, falo de bom senso, de
responsabilidade.
NJ: A autocrítica interfere na criatividade?
Del Feliz: A
autocrítica interfere em tudo. Eu tive uma dificuldade muito grande no
começo da minha carreira porque achava que nada estava bom e isso me
atrapalhou muito. Era óbvio que algumas pessoas percebiam, perguntavam
porque eu estava mais fechado, mais triste. Sempre achava que a banda
não estava legal, que o repertório não estava bom e aí haja sofrimento.
Já com anos de carreira, já chegando perto do The Voice, mais ou menos
em 2015, achei meu tempo. Tive uma conversa comigo mesmo, fiz uma
reforma interior e aí fui cuidando com muito ensaio, com muita
preparação para que as coisas ficassem ainda mais profissionais e eu
pudesse subir no palco com mais tranquilidade, mais leveza, mais
segurança. E acho que quando a gente acredita que está bom as pessoas
também recebem essa energia e dá tudo certo. Até hoje ainda me cobro
muito, quero sempre fazer o melhor, a estrutura tem que ficar a melhor
possível. Mas eu tenho a sorte de estar cercado por excelentes
profissionais e isso ajuda muito.
NJ:
Ao longo de sua carreira, o cantor e compositor você já fez parcerias
musicais importantes com nomes da música, como: Dominguinhos, Maria
Bethânia, Elba Ramalho, Michel Teló, Fagner, Geraldo Azevedo, Dudu Nobre
e Carlinhos Brown. Quais são os momentos da sua carreira que poderia
citar como os mais marcantes?
Del Feliz: Todos
os artistas que fizeram parte da minha carreira são fundamentais. Todos
eles. Não poderia citar um nome porque são muitos nomes e todos são
muito marcantes para a música popular brasileira. Mas por outro lado,
gostaria de registrar que muitas parcerias marcaram a minha história com
pessoas que estavam começando e que depois me ajudaram muito. Eu tenho
um parceiro chamado Adail Mena que é do Sul do Brasil e é o parceiro que
fez o maior número de músicas comigo. Ele não era conhecido como
compositor, mas já era poeta e escritor. Ele era apaixonado pelas minhas
músicas, escreveu algumas coisas e eu gostei demais. Aí a gente foi
escrevendo música juntos, escrevemos muita coisa boa. E outras tantas
pessoas. Eu fiz música com minha mãe que já era uma compositora nata de
fazer samba, chula, reisado, mas nunca apareceu como compositora de
nada. Muita coisa bacana veio de parcerias de muita gente que não era
conhecida no meio e eu acho que a gente ganha muito, a gente cresce
muito na troca. Mas é claro que me honra de maneira muito especial ter
sido recebido no meio musical e conseguido abraçar e ser abraçado por
esses ícones todos. Mas registro com muito carinho essas parcerias todas
porque com todas elas eu cresci. A gente troca, a gente passa e a gente
recebe tanto com os ícones quanto com aqueles que são anônimos.
NJ: Conte-nos um pouco sobre os projetos Cantos do Brasil e Forró Del Mundo.
Del Feliz: O
“Canto do Brasil” começou com o “Canto da Bahia”. Fui fazendo as
músicas em homenagens as cidades, buscando todos os elementos que as
identificavam e fazendo as canções. Ele foi extrapolando, virou “Canto
do Nordeste” e depois “Canto do Brasil” e me honra muito já ter feito
música para algumas das principais cidades brasileiras com
reconhecimento, uma série de premiações e parcerias importantes. Já o
Forró Del Mundo vem de viajar bastante mundo afora, participando dos
grandes festivais, cantando em algumas das grandes casas de show do
planeta, levando a nossa cultura, o que muito me honra. Abri as portas
para muitos outros artistas também porque é uma tendência minha de
agregar, de abraçar pessoas e acho que caminhar junto é sempre mais
confortável. E fico feliz de já ter caminhado por dezenas e dezenas de
países mundo afora levando a nossa cultura. Não só o gibão e o chapéu de
couro, mas levando a verdadeira essência nordestina.
Del Feliz: As
plataformas digitais são uma realidade. Hoje a tecnologia é decisiva,
não tem um outro caminho, uma outra alternativa. Ou você se insere ou
você está fora, as pessoas buscam músicas nas plataformas digitais, não
ouvem mais cd, os carros não vêm mais com tocador de cd. Inclusive é
preciso ajudar outras pessoas que não estão preparadas, artistas tão
talentosos e que ainda não estão inseridos nisso e isso é um desafio
nosso enquanto forrozeiros de instruir outras pessoas. Alguns mestres,
inclusive, que estão ali isolados naquele cantinho, artistas que muitas
vezes não estão preocupados com questões midiáticas, com fama ou
dinheiro. Pessoas que fazem cultura pela cultura, pelo amor. O bom senso
é fundamental porque a mídia é importante mas não é tudo e temos
pessoas que estão bem desapegadas disso, que fazem coisas geniais e que
estão ali escondidas. É um desafio dos artistas que têm alguma estrutura
tentar inserir essa turma pra a gente valorizar e expandir ainda mais a
música nordestina que é tão rica e diversa.
NJ: Quais são as músicas que não podem faltar em nenhum show?
Del Feliz: Tenho
algumas músicas que não posso deixar de tocar nos shows, músicas que
marcam. “Mainha” é uma delas, que está desde o primeiro cd. É uma música
que marca muito a minha carreira mas tem “Ainda Não Acabou”, que as
pessoas cobram. “Eu Sou São João” também é uma música que entrou no
repertório pra não sair mais. Agora das mais recentes “Tudo o Que Eu
Queria” é uma música que todo mundo pede onde a gente chega. E “Espumas
Ao Vento”, obviamente, é uma marca muito grande não só por ter
participado do The Voice, mas pela homenagem que fiz a Accioly Neto.
Algumas músicas canto com a minha alma porque eu gosto e eu amo essa
canção, ela tem uma simbologia pra mim. São muitas músicas, mas eu diria
que essas aí são bem marcantes.
Del Feliz: o trecho de música que talvez melhor identifique o meu momento atual é:
“Ser mais do que ter pra ter o que dar.
Espalhar coisas boas no ar
Ser mais do que ter e compartilhar…”
É isso.
Acho que a gente tem que repetir isso e exercitar muito. E eu
principalmente, porque sou o cara mais feliz do mundo porque faz o que
mais gosta.
NJ: O que costuma escutar quando está em casa?
Del Feliz: Eu
gosto de ouvir todo tipo de música possível. Gosto de ouvir blues,
jazz, pop rock, MPB, forró, chorinho. Gosto de samba, bossa nova, gosto
de tudo um pouquinho. Agora realmente a música que eu mais escuto é a
música nordestina. Na minha playlist sempre tem alguma coisa de Alceu
Valença, Djavan, Gilberto Gil, Flávio José.
NJ: Quais são os seus próximos projetos dentro da música?
Del Feliz: Meu
próximo projeto é o meu cd que se chama “Pra a Gente se Abraçar” que é
um projeto voltado pra músicas temáticas. Eu estou regravando e fazendo a
releitura de algumas músicas minhas pra chamar atenção pra a natureza,
pra o respeito a diversidade, pra a questão da solidariedade humana e
essa música fala muito sobre esse momento tão delicado que a humanidade
está vivendo e ela está ganhando o Brasil e o mundo com essa mensagem.
Acho que a gente precisa resgatar um pouco o poder que a música tem de
levar mensagens importantes através das letras.
Del Feliz: A
participação no The Voice foi muito importante pra mim principalmente
porque acho que tudo na vida é aprendizado e ali eu aprendi muito, seja
com os técnicos, com os produtores que estavam envolvidos, com os
músicos da banda que acompanhavam a gente. A turma que participa do
programa é muito competente e tem muito talento e o programa é uma
janela importante de espaço pra essa turma toda. Na época, todo mundo
comentou que eu fui muito corajoso em participar e que de fato, talvez,
pudesse ter sido ruim pra mim se ninguém virasse as cadeiras porque eu
já tinha uma história, já cantava em grandes palcos e tal. Mas pra mim,
foi tudo muito positivo, tanto pelo fato de terem virado as quatro
cadeiras, pelos comentários que ouvi, pelas boas críticas do Brasil
inteiro e pela oportunidade de estar ali cantando o nosso forró, as
músicas nordestinas. Até a forma como eu saí foi muito interessante
porque o que prevaleceu foi a impressão de que eu sai porque não
precisava mais, porque já tinha uma carreira, uma história. E já tinha
uma polêmica muito grande no Brasil inteiro dos jornais questionando o
motivo de eu estar ali porque já tinha grandes parceiros na música e uma
carreira consolidada. Então, isso tudo pra mim é muito honroso e soou
como um grande reconhecimento. Acima de tudo foi uma grande janela de
divulgação do meu trabalho para o mundo porque o programa tem uma
abrangência muito grande. Fica também a aprendizagem e a experiência
que vou guardar no coração para o resto da vida.
NJ: Como avalia o título de “embaixador do forró”?
Del Feliz: Muita
gente fala isso porque eu viajo muito e sou o artista que muitos
reconhecem como o que mais viaja divulgando a nossa música e eu tenho
uma honra muito grande de poder fazer isso, faço com muito prazer, com
muita gratidão a Deus pela oportunidade. Eu gosto de conhecer culturas,
pessoas, lugares, histórias diferentes. Mas fazer tudo isso levando um
pouco da nossa cultura é ainda mais prazeroso e honroso pra mim. Carrego
no coração e na alma a essência dessa matriz, dessa raiz que está tão
espalhada na nossa terra e cada vez mais
sendo espalhada pelo mundo. Não me envaidece o título de “embaixador do
forró”, mas a experiência, a vivência. Acho carinhoso. Não é a vaidade
pura e simples do título, é a simbologia disso, o carinho das pessoas
em reconhecer um trabalho que a gente faz com muito orgulho.
NJ:
O que você acha desse debate que tem havido na internet com cobrança de
definições políticas por parte dos artistas? Costuma se posicionar em
relação a isso?
Del Feliz: Eu
acho uma coisa muito pessoal e nada obriga que um artista tome uma
posição de lado político, principalmente no formato do Brasil onde tudo é
polarizado e as pessoas se dividiram em dois lados. Eu sou
absolutamente contra lado político porque na minha humilde visão, nós
temos alguns partidos que vem administrando o Brasil há alguns anos e
entendo que todos esses partidos contribuíram, mas todos eles erraram
muito mais do que contribuíram, já que a desigualdade social continua e a
educação e a cultura não foram tratadas com a devida responsabilidade.
Então, por que eu me posicionaria diante de exemplos tão ruins? Os
privilégios existem tanto quanto os velhos problemas: a saúde, a
educação, a cultura, a distribuição de renda. A gente não vê um bom
exemplo da atuação da política em nenhuma esfera. Eu conheço pessoas bem
intencionadas, pessoas de bem dentro da política, mas elas são minoria e
enfrentam uma estrutura que dificulta e as ameaça. Infelizmente essa é a
grande realidade. Mas como eu sou uma pessoa de esperança acredito que
em algum momento esse espírito do bem vai se transformar em maioria e
conseguir mudar toda essa estrutura que existe.
Del Feliz: Minha
religião é muito simples, acredito na ética e na empatia. Acredito em
Deus. É impossível, na minha concepção, não existir um ser que comande
tudo. Respeito todas as religiões, seria injusto achar que eu estou
certo, prefiro acreditar que eu não sou o dono da verdade. Eu não tenho
um nome para a minha religião, acho que a religião passa mais pelo
sentimento de cada um, pela forma de acreditar e principalmente de se
comportar. Eu tenho a minha forma de falar com Deus, independente de ir
para alguma igreja ou para alguma casa de Candomblé e acredito que cada
um tem o seu jeito de procurar Deus. Eu acho que a forma mais simples
de sintetizar a minha religião é: eu tenho um Deus tão poderoso, tão
maravilhoso que eu me coloco todos os dias nas mãos dele, que seja feita
a vontade dele. Eu confio nesse Deus, venha o que vier. Acho que
respeitar todas as religiões é um caminho e já é uma forma de ter
religião porque eu prefiro acreditar que não sou eu que tenho a forma
exata, o jeito certo de chegar a Deus. Tenho, sim, a minha maneira de
chegar até Ele.
NJ: Quais são as principais mensagens que pretende passar através da sua música?
Del Feliz: Então,
eu já fiz canções sobre a natureza, sobre a diversidade, sobre a
sensibilidade humana. Teve a homenagem que fiz pra minha mãe, que é um
símbolo pra mim. Acredito que cada um faz música baseado naquilo que
acredita. Eu fiz música pra o cordel, pra a viola, pra sanfona, pra o
sertão… essa música “Pra Gente Se Abraçar” está ganhando o mundo nesse
momento de pandemia, esse momento que a gente precisa renovar as
esperanças. E eu acho que uma poesia, uma música séria mas que ao mesmo
tempo esteja carregada de amor, de sensibilidade, é fundamental e é isso
que eu tento levar, a minha verdade, as minhas sensações, as coisas que
eu acredito. É isso que tento colocar na minha música, sempre
respeitando todos que falam o que querem, que brincam, que escracham, eu
respeito tudo desde que a música não seja desrespeitosa ou ofensiva com
o outro. Acho que a música tem várias funções mas a minha é levar um
pouco de mensagem de esperança e positividade, além de levantar
reflexões. Sem nenhuma pretensão de ser o dono da verdade mas tento
transmitir as minhas vivências através da poesia e da música.
NJ: Uma música que gostaria de ter escrito
Del Feliz: Tem algumas músicas que eu gostaria de ter escrito. “O Que É, O Que É” de Gonzaguinha é uma delas.
NJ: Uma frase
Del Feliz: Ser mais do que ter para ter o que dar. Eu acho que viajar pelo invisível é fundamental. O mundo precisa mais de amor.
NJ: Um sonho
Del Feliz: Eu
sonho muita coisa na verdade (risos), mas vou dizer duas coisas que
acho que são fundamentais. Primeiro eu sonho em nunca parar de renovar
meu sonho porque eu sou muito sonhador, muito otimista e estou sempre
renovando coisas. Mas se eu tiver que especificar fisicamente uma
realização, posso dizer que tenho vontade de construir alguma coisa na
área social na minha terra, para as crianças, pra deixar um legado, uma
contribuição para os jovens. Eu acho que todo mundo que forma opinião,
que tiver chance tem que construir alguma coisa, principalmente de
inclusão na área se educação.
Del Feliz: Ah
eu amo muitos lugares, já são mais de cinquenta países visitados, a
maioria levando a nossa música, mas imagine que não tem um lugar mais
incrível do que o lugarzinho da gente. Eu passei muitos anos da minha
vida tendo que sair de casa, tendo que viajar, que trabalhar para correr
atrás dos meus sonhos. Então, se eu tiver que escolher um lugar seria
em Barreiros, Riachão de Jacuípe, na casinha que eu tive o prazer de
fazer pra minha mãe e exatamente no “colinho” dela. Esse é o lugar mais
aconchegante do planeta.
NJ: Uma música que o faz sorrir
Del Feliz: Ah
toda música me faz sorrir (risos). Claro que tem músicas que levam mais
para o lado da emoção, mas eu gosto de me descontrair com elas. Eu acho
que música geralmente me remete muito a alegria e é por isso que eu uso
muito o otimismo nas canções. Mas deixe-me pensar… eu sorrio muito com
as músicas da Galinha Pintadinha (risos) porque eu gosto de música feita
pra criança com sabedoria e adoro ver criança brincando, ouvindo
aquelas canções e dando risada. Geralmente essas são músicas que me
alegram muito e me remetem a alegria porque eu vejo as carinhas das
crianças, observo muito a forma como elas reagem e quando tenho
oportunidade fico brincando com elas também.
Del Feliz: Eu
espero e luto pra ver o meu trabalho reconhecido e se eu não admitisse
isso não seria justo. Eu gosto da ideia de ver o meu trabalho chegar
cada vez mais longe e ver a minha mensagem chegar no coração das
pessoas. Ver isso se concretizando, muito me alegra. Amo as parcerias
que eu faço porque aprendo muito com elas. Então, pretendo ampliar e uma
meta é continuar até velhinho, continuar fazendo música, fazendo o
que mais gosto e semeando coisas boas através das canções.
NJ: Uma saudade
Del Feliz: Das
brincadeiras de criança. Curioso que hoje a gente tem muito mais
tecnologia, o celular facilita tudo, muita gente tem o mundo nas mãos.
Mas ainda sinto falta das brincadeiras de roda. Não sei se estou sendo
exageradamente nostálgico, mas eu lembro muito da gente na escola,
brincando de esconde esconde, de cinco pedras, das meninas brincando de
amarelinha, a gente brincando de gude. Eu acho que era um pouco mais
saudável. Posso não estar com a razão, mas sinto falta dessa pureza, das
coisas singelas, das brincadeiras que tornavam tudo muito mais forte e
mais bacana por ser feito em comunhão, porque a gente se unia pra fazer
essas coisas. O mundo precisa de um pouco mais dessa simplicidade, desse
contato, dessa troca pura e também de um pouco de ingenuidade. Ninguém
pode perder isso completamente, pelo menos um pouquinho deve ser
preservado no coração de cada um.
Del Feliz:
Olha, a única mensagem que quero deixar, além de agradecer por falar
com vocês, é o registro de que eu tenho refletido muito diante de tudo
isso que a gente está vivendo agora e eu tenho a impressão de que o
mundo está reagindo para que algumas coisas melhorem e isso depende
muito da gente. Nunca foi tão antagônico porque hoje uma demonstração de
amor é deixar de beijar, de abraçar. O significado hoje de “lavar as
mãos” é se importar consigo e com os outros, totalmente oposto da
conotação anterior. E eu acho que a gente nunca teve a sensação tão
forte de que nós realmente somos muito pouco e ao mesmo tempo somos
muito, quando a gente acredita no senso coletivo, quando a gente se
junta por uma causa. A força dessa energia boa está nos bons
pensamentos, na mentalização de coisas boas, na oração pelos outros e
pelo planeta, no fazer alguma coisa, no se perguntar o que pode ser
feito para promover o bem, no esforço de ajudar alguém por menos que se
tenha. Ter um pouco mais de empatia, se colocar no lugar do outro, ser
um pouco mais generoso. Eu acho que de saldo a gente vai ter isso porque
a gente vive um momento trágico pra humanidade mas ao mesmo tempo, de
muita reflexão e esse planeta nunca mais será o mesmo. Uma nova energia
há de se instaurar no coração de cada um numa sintonia global, num
pensamento coletivo.
NJ:
Del, muito obrigada por participar da Nossa Janela. Que delícia de
bate-papo, que pessoa iluminada que você é, quanta simplicidade, quanto
cuidado, carinho e respeito com o próximo. Fiquei muito emocionada com
sua história. Que você continue semeando coisas boas através das suas
canções, a sorte é toda nossa.
Del Feliz: Obrigado
Lu, estou aqui a sua disposição. Agradeço a você que está nessa área se
dedicando pra levar a música e a poesia para as pessoas que acompanham
o seu trabalho. Obrigadão, prazer enorme. Fiquei super comovido com a
sua reação, com o seu carinho.
Luciana Leal - Site Nossa Janela
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