quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Dia Mundial Humanitário: o auxílio de brasileiros em dias de dor

“ - Há uma pessoa ferida a ser resgatada”.
Não era simples. Até lá, muitos pontos de controle de grupos amados. E uma viagem difícil por estrada de terra. Era a segunda missão internacional da santista Nathália Estevam, profissional de relações internacionais, na República Centro-Africana, pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Ela era a responsável por interferir com os paramilitares para que as equipes conseguissem chegar ao local. O ferido era um rapaz de 17 anos, com um tiro no abdômen. “Voltamos muito devagar porque ele gritava de dor. Primeiro ele gritou muito. Depois, ele chorava baixinho. Depois, ficou em silêncio. Ele faleceu 10 minutos antes da gente chegar ao hospital. Isso me marcou. Era um menino. Todo trabalhador humanitário tem uma história em que chegou tarde demais”, afirma.
As marcas misturam as frustrações e as “pequenas vitórias”. Nesta quarta (19), Dia Mundial Humanitário, Nathália, há cinco anos na entidade, está na cidade de Hebron, na Cisjordânia, onde é chefe no escritório local. A data foi instituída pela ONU em 2008 para lembrar o dia do atentado ao escritório da entidade no Iraque, que vitimou, em 2003, 22 pessoas, incluindo o brasileiro Sérgio Vieira de Mello.
Em Hebron, Nathália experimenta as dificuldades de lidar com as necessidades de apoiar vítimas de conflitos em meio à pandemia do coronavírus. “As pessoas têm muitas dúvidas de como vai ser o futuro, depois que isso acabar. A gente continua trabalhando, mas mantendo a distância e os cuidados”. Ela sabe que cada dia tem a chance de auxiliar, de chegar antes. Como no Sudão do Sul, há um ano, ela chegou a um vilarejo isolado (para onde não há estrada) com veículo especial, em que caminhões não tinham como ir. O local abrigava também refugiados que chegavam a pé do Sudão.
“Era tempo de seca. As pessoas dividiram o pouco que elas tinham. No final, estavam todos comendo grama. É uma situação muito impactante. Conseguimos mobilizar que a Cruz Vermelha Internacional mandasse um avião como muitas toneladas de comida para que mantivesse aquelas pessoas até o tempo das chuvas e a próxima colheita. Tenho muito orgulho de ter participado dessa equipe. O trabalho humanitário é de pequenas vitórias. É indescritível”.
Hoje, na Cisjordânia, ela lida com militares e civis tanto de Israel quanto da Palestina, em uma rotina diferente para verificar situações de instabilidade, e de apoio também a pessoas presas em prol dos direitos humanos. Nesses cinco anos, Nathália já perdeu colegas em ataques de grupos armados no Sudão. “É necessário humildade, empatia e sangue frio para lidar com as situações”.

Dia após dia

“- Ele morreu?”
A pergunta repetiu-se por quatro dias. Como um rito, a adolescente refugiada, de 16 anos de idade, esperava a notícia que parecia inevitável. Nem nome tinha o bebê recém-nascido, após seis meses de gestação. Com o peso de 700 gramas, a pediatra brasileira Junia Cajazeiro, em missão na cidade de Gambela, na Etiópia, sabia que a situação era difícil. A profissional estava em atuação pela entidade humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras. Ela passou aqueles dias entre manobras e procedimentos que contrariassem a lógica. Pediu esperança. Afinal, havia uma novidade: os prematuros estavam sobrevivendo pela primeira vez. Cada vitória não tem como medir o tamanho para quem atua em missões humanitárias
Dia Mundial Humanitário
Pediatra Junia Cajazeiro atuou para evitar morte de crianças prematuras  - Zacharias Abubeker/Médicos Sem Fronteiras
“Era um bebê que estava muito grave. No quinto dia, ela me perguntou: ' como ele está?' Nesse dia, meus olhos encheram de lágrimas e vi que ela acreditava. Eu falei para ela amamentar. Ela brilhou os olhos. O bebê foi para casa com ela e ganhou peso. Esses dias foram muito vitoriosos. Nesse dia, vi que valeu a pena”. Quem atua em missões humanitárias, como a belo-horizontina Junia, hoje com 33 anos de idade, sabe que nem todos os dias são de vitória. A rotina de salvar e ajudar, aliás, ficou ainda mais complexa com a pandemia do coronavírus.
A profissional que já tratou crianças com tuberculose multirresistente em Uzbequistão, por mais de um ano, outros seis meses na Etiópia, em 2018, e depois em Mossul, no Iraque, com a desnutrição dos menores e a esperança de olhar o céu azul depois que o Estado Islâmico foi derrotado. “Lembro que uma mãe yazidi tinha muito medo de levar o filho de sete meses para o hospital em Mossul. Medo do Estado Islâmico. Depois de 10 dias, falei que ela podia voltar para a cidade dele. Mas ela disse que queria continuar porque confiava na gente”, emociona-se.
Continue lendo no BBC News Brasil.

Nenhum comentário: