quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

50 anos morando como paciente de um hospital

 

   
“Deus escreve certo por linhas tortas”, diz o povo. “Tortas” para nós que temos pouca ou nenhuma noção dos desígnios das leis universais, das leis de “Deus”. Tivéssemos ou pouco mais de cuidado em observar e procurar entender porque acontecem certas coisas que, aos nossos olhos”, parecem erradas, injustas, talvez falássemos e fizéssemos menos bobagens. Me deparei há algum tempo com o caso de Paulo Henrique Machado, que contraiu Poliomielite quando tinha um ano e meio. A doença paralisou, além das pernas, parte do seu aparelho respiratório e ele usava respirador artificial. Era interno do hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo (USP), desde então devido a sequelas e ficou sob cuidados dos médicos. Paulo viveu toda a sua vida morando no hospital, em cima de uma cama, ou numa cadeira de rodas.

         Eu posso “ouvir os comentários das pessoas: “Como pode Deus fazer isso com um inocente”? “Deve ser uma alma com muitos pecados para pagar”; Coisa boa ele não fez na vida passada”; “A ira do Senhor tem longo alcance”. E outras besteiras do gênero, porque todo mundo sempre tem uma resposta pronta pra tudo, sabe tudo sobre todas as coisas. Mas, como para contrariar os arautos das desgraças alheias, Paulo desenvolveu paixão por tecnologia. Ele transformou suas vivencias numa série de desenhos animados “As aventuras de Léca e seus amigos”, onde contava estórias de sete crianças e suas deficiências físicas. Duas semanas antes de morrer ele tinha publicado uma live no seu canal do You Tube sob o tema “Apesar de tudo, estamos vivos”. Paulo era uma pessoa muito feliz e muito querida por todos dentro do hospital onde viveu toda a sua vida. Sempre era visitado pela sua família, que o amava muito.

         Eu passei 6 meses da minha adolescência em cima de uma cama, com uma grave doença. Nunca chorei nem reclamei, mas aprendi muitas lições. Quando retomei minha vida normal (se é que se pode chamar a minha vida de normal) eu era uma outra pessoa. Muito mais amadurecido e focado em entender tudo o que me cercava, sempre sem me queixar das adversidades. Eu sempre repetia, e ainda repito, o que ouvi alguém dizer pra mim: Quando você achar que sua vida tá ruim, vá a um hospital ou a um cemitério e veja quanta gente está bem pior que você. Eu ouvi sempre pessoas dizendo que o Mal está sempre em luta com o Bem. Então penso que, se há luta, há necessidade de soldados. Soldados precisam ser fortes e bem treinados. Então, o que seriam essas provações senão o treinamento oferecido por Deus para que seus soldados sejam fortes.

Eu conheci outros “Paulos” pela vida afora. São de um tipo de gente que, apesar de todas as condições adversas, não se entregam, não se rendem, não se vendem, não se acovardam, não fogem das suas lutas e não se desanimam com as derrotas. “Viva mais um dia para lutar em outras batalhas”, dizem elas. São como aquele sujeito que tinha uma perna amputada e estava internado, em vias de amputar a outra. Os médicos discutiam se amputavam a perna ou não, e quando o chefe da equipe entrou no quarto, o homem perguntou logo. “Então, Doutor. Vai tirar minha perna hoje”? O médico, meio constrangido, dizia que ainda estava discutindo com os colegas. E ele: Ah! Doutor. Isso aí só tá ficando pior. Tira logo fora, que meu tempo tá curto”. O médico estranhou aquele comportamento e quis saber por que ele queria tanto tirar logo a única perna que tinha, se ainda havia uma possibilidade, remota mas tinha, de salvá-la. E ele: Ah! Doutor. Eu estou com uma pescaria marcada com alguns amigos para o fim do mês. Mas, sem mim eles não vão. Porque sou eu que sei de tudo. O lugar, os locais bons, as horas boas, eles não sabem de nada. Eu não posso falhar com eles”.

         O médico o tranquilizou, dizendo que a cirurgia seria realizada na manhã seguinte. E saiu do quarto pensando que o mundo precisava de mais homens como aquele.

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