domingo, 7 de março de 2021

O dia do “não fico”

         Dona Fina (Lindolfina de Jesus), apesar do bom coração, de fina não tinha nada. Troncuda, sem ser feia, correspondia a dois tratores na pequena, mas bem cuidada, fazenda do marido Alberto, também trabalhador, todavia dado a uma garrafa de Sapupara, ou outras congêneres, mais baratas do que essa “suculenta” cearense. Havia quem invejasse o Beto “uma  mulher dessa bota qualquer homem pra frente”, dizia o Cassiano, com o que concordava o Silva, mas falando baixinho pois eram todos amigos.

        Lavava, cozinhava, varria o quintal, era fera na enxada, cuidava dos animais e sobretudo o mais  difícil, também cuidava dos “meninos” Claudio de 9 anos e Letícia de 11 anos, caminhando para 12, que já estudavam, mas aprontavam tanto em casa como na escola “duas pestinhas” dizia ela quando se zangava mais corrigia sempre “são as coisas que eu mais gosto no mundo”.

Pior, no entanto, era Beto, que embora livre da fama de mulherengo, além das bicadas na branquinha, na verdade só aos sábados e feriados, vez em quando tinha umas ideias malucas, fazendo coisas que ela não gostava ou não concordava. Agora mesmo voltava da feira-livre da vila com a ideia de comprar uma cabra de porte, ou logo um casal (o bode e a cabra) para “ter leite de cabra que é  muito bom e criar uns bichinhos que vão dar bom dinheiro!”.

Isso deve ser ideia do Malaquias, outro sem juízo, pensou Fina. Uma vez Beto tinha comprado uma cabra que “fez o maior sucesso”. O bicho comeu tudo inclusive - lembrava pesarosa -, uma sandália nova dada por sua irmã, só deixando um pé do calçado, como se ela fosse um Saci Pererê,  panos de prato, toalhas e até a camisa da escola de Claudio. Não, não queria aqueles bichos danados para atormentar a sua vida.

E foi isso que Fina disse a Beto, solenemente NÃO”. Ele conhecia o temperamento da mulher e convocou os meninos que estudavam História do Brasil, na tentativa de encontrar apoio. Leticia  de livro em punho, lia em voz alta sobre a Independência do Brasil, trecho do momento histórico, do Dia do Fico, e a ouvir a repetição da frase de D. Pedro, com ar solene dona Fina, subiu em um tamborete da cozinha e proclamou: “Pois eu Não Fico!” e diante da resumida e espantada plateia, anunciou sua decisão em tom inquestionável: “Se esses bichos vierem, eu não fico. Vou preparar a minha mala!”

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