Toda mulher é uma língua. Própria. Feito ela. Um dialeto singular onde teremos de nos alfabetizar se quisermos que ela seja um confessionário de nossos desejos, pois ela não ama o que está ao relento, mas o que se revela na bateia de nossas falas, no que oferecemos como substantivo - o concreto e o abstrato.
É nossa homilia e vocabulário que a possui e rende, e nos inscreve sem alforria em suas devoções. Que a faz nos ancorar como um barco fatigado quando retorna ao seu remanso. O verbo é nosso aboio para tanger as reticências, as reservas e os pudores. É nossa fala que, lambendo como ventania as trilhas de areia de seu imaginário, delimitará a extensão do prazer a que ela converterá nossa posse e as léguas do território de seu corpo e alma a que nós - e somente nós - teremos acesso e jurisdição.
Assim como uma língua constitui um povo, essa conjunção nos fundará, e será nosso pacto de sal e vinho. Um idioma que passará de boca em boca, até perdemos o rastro, salvo da extinção pelos escritos nos lábios dela. Perfeitos, eu lembro.
Toda mulher é uma metáfora. Porque sua pele não é só um vestido de células costurado por um alfaiate de Deus, mas um pergaminho à espera dos rumores de nossos lábios e mãos, tatuados de vontades e adjetivos – os olhos de esmeralda dançando nus em um pires de leite. Olhos pidões. Ah! Os adjetivos dela! O campo de trigo esculpido pela erosão de milênios, entre suas espáduas, como sesmarias para ocupação e moradia. Feito ela, sobre o lençol.
Toda língua é uma mulher. Feito ela. A ser cometida com o solene dos cardeais, e o profano dos obscenos, para evitar a morte, ou pior- o torpor. De nossa dedicação em lhes desvendar as veredas inaugurais, de roçar com a voz nos delitos do seu imaginário feminino, se erguerão os altares de teu ofertório, escrever-se-ão as escrituras de nossa longevidade, os indultos de nossas falhas, os liames que impedirão nosso exílio. E tu, homem, serás lei...
Mas assim como os verbos na língua archi podem ser ditos de 1,5 milhão de formas diferentes, uma mulher tem composições inesgotáveis e o amor pode não ser infinito, posto que é chama. Nestes tempos de certezas líquidas as promessas de pertencimento podem ser apenas porteiras de palhas. Como as dela, em seu Desamor.
semeava gerânios nos meus presságios,
e lançava seus desatinos aos longos
cabelos do meu desejo
Mas sua carne de receios,
alimentou os cães,
e outros desencantos.
E, enfim, poeira de ossos
na minha memória,
ela dança nua.
Sigo. Esfolo os pés no cascalho que restou. Uma língua não pode ser arrancada da alma. Feito ela.
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