domingo, 5 de dezembro de 2021

 

* Outra manhã da vida *

Alegre da vida, evoco Vinícius – “é melhor ser alegre que ser triste” -, suo às bicas. Reidrato-me. Gotejo, inundo o vestuário de trabalho.  Inclemente, o sol solfeja violáceos raios, para os quais não há protetor solar com fator bastante. Sou compelido a repô-lo na face, no pescoço e nos braços a cada hora. O exuberante suor e o creme antissolar escorrem sobre os olhos e ocasionam desconfortáveis ardências. Tiro os óculos, deslizam nariz abaixo, e enxugo as pseudo-lágrimas com as costas da luva de couro, indispensável ao espinhento trato dos sansões do campo, estes não são poucos. Algo como quinze mil plantados, cerca de dezoito anos atrás, nas linhas divisórias da propriedade. Cresceram, cresceram, cresceram e se arvoraram em senhores do solo, sendo necessária a derrubada de muitos para controlar a expansão. Poda dos arbustos lindeiros à qual, regularmente, tenho-me dedicado a título de ocupação sadia, para manter a forma física, barriga enxuta, os 77 quilos.

 Na matutina faina invasora de meu estar ao bar do meio-dia, a zoada da serra de impacto elétrica abafa os gemidos dos troncos ao despencarem. Dos ditos nascem estacas, mourões e muita lenha para a fogueira junina.

 Instantes antes do raiar do dia, da caminhada de uma hora, do bate-papo ao ponto-bar do matinal cafezinho e do retorno à casa para o desjejum - nessa ordem -, parto para o trabalho. O relógio anuncia oito horas, e o sol já arde em brasa. É pau puro!  Breves intervalos para neutralizar desconfortos do calor sufocante e da sede incessante.

 A hora boa acontece trinta minutos antes do sol a pino. Suor escorre, poros choram! Momento da primeira sacrossanta loura maltada, resfriada à perfeição na geladeira do sítio, velha que faz jus à fama.

 Acomodo-me em lugar qualquer à sombra e desfio pensamentos, calmamente, como quem desfia bacalhau para fazer bolinhos. Faço-me palavras. Lavo as mãos. Acorro à sala de meus livros e me apresso em rabiscar essas linhas.

 De longe, chegam acordes do Samba da Bênção, cantado e declamado pelo autor, “capitão do mato, poeta e diplomata”.

 Escrevo. Escrever é permitir-se caminhar na existência dos outros. Tento ser regional na expressão; universal no conteúdo.

 O inconfundível aroma dos bolinhos de bacalhau, fritos na cozinha de minha mente, em minhas papilas palpita. O estômago se agita. A boca saliva. A loura desce. Apazíguam-se os desejos. Recapitulo a azáfama. Dou-me por satisfeito. Parto para o chuveirão, clímax da jornada.  Acalmo o espírito. Banhado e agora à sombra da área avarandada, com outra loura a meu lado, sigo a narrar mais uma das manhãs do verão sem chuvas onde vivo. Precisamente à Latitude 12°26’14” Sul; Longitude 38°57’4” Oeste e Altitude 230m. Quem tanto duvidar, confira no GPS.

 Retorno ao lar. Transcrevo o texto. Momento da despedida. Beiram as 14 horas. A mulher convoca para o almoço, tardio como sói acontecer nas melhores famílias. Estou acostumado.

 Outra manhã da vida.

 Subscrevo-me com o carinho de quem escreve por prazer e com abraços “na linha direta de Xangô”.

“Saravá!”

“A bênção, que eu vou partir; eu vou ter que dizer adeus”. 

 

Hugo A de Bittencourt Carvalho 

[email protected]

 Revisão: Rosa Fauaze

[email protected]

Nenhum comentário: