O presidente da Rússia, Vladimir
Putin, anunciou que o país registrou a primeira vacina contra covid-19 e
repetiu que a imunização em massa da população começa em outubro.
Batizada
de Sputnik V, em homenagem ao primeiro satélite artificial a orbitar em
volta da Terra — um feito da então União Soviética no auge da Guerra
Fria —, a vacina já teria interessados em pelo menos 20 países,
inclusive no Brasil.
O governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD),
anunciou a intenção de assinar um convênio com a Rússia para produzi-la
no Estado, por meio do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar).
O
acordo envolveria ainda a realização de testes no Brasil antes de uma
eventual distribuição, que ainda precisariam ser liberados pela Anvisa.
Assim, a previsão inicial é que a vacina estivesse disponível no país
apenas no segundo semestre de 2021.
Ainda que haja interesse por
parte de outros países, o fármaco russo é visto com ceticismo pela
comunidade científica. Entenda o porquê em quatro pontos.
Pesquisa não chegou à fase 3 de testes clínicos
A
vacina vem sendo desenvolvida pelo Centro Nacional de Investigação de
Epidemiologia e Microbiologia, o Instituto Gamaleya, junto ao Ministério
da Defesa.
Pouco se ouvia falar sobre ela porque, de fato, a pesquisa russa não está entre as mais avançadas neste momento.
Entre as 165 vacinas em desenvolvimento listadas pela Organização Mundial de Saúde
(OMS), seis estão na fase 3 de testes clínicos, a última de um longo
processo que envolve testes pré-clínicos e testes em humanos.
A vacina russa não é uma delas — acaba de concluir a fase 2.
A vice-primeira-ministra russa, Tatiana Golikova,
chegou a dizer que a terceira fase de testes clínicos, com uma amostra
de 1,6 mil pessoas, começaria neste mês. Não há, entretanto, uma
previsão de quando ela seria concluída.
A fase 3 dos testes
clínicos é importante porque demonstra a eficácia da vacina, se ela de
fato protege o organismo. A primeira tem como objetivo verificar a
segurança — ou seja, se a vacina produz algum tipo de efeito colateral
—, e a segunda fase estabelece a imunogenicidade da vacina, verificando
qual resposta imunológica ela desperta.
Não se sabem detalhes dos testes já realizados
Além
de não ter concluído ainda todas as etapas da pesquisa, a Rússia não
divulgou qualquer evidência científica que confirme a eficácia e a
segurança da vacina.
Aliás, o país não publicou nenhum estudo detalhado sobre as outras etapas do processo até aqui.
Os
resultados das fases 1 e 2 dos estudos clínicos da vacina de Oxford,
por exemplo, foram divulgados no periódico The Lancet no fim de julho.
Algumas
semanas antes, os detalhes sobre a fase 1 da vacina desenvolvida pela
empresa de biotecnologia Moderna foram publicados no The New England
Journal of Medicine.
A falta de transparência da pesquisa russa suscitou uma série de críticas da comunidade científica.
Uma delas veio do principal especialista do governo
dos Estados Unidos para doenças infecciosas, Anthony Fauci, que
questionou os métodos usados pelo país em uma audiência no Congresso
americano.
"Nós também poderíamos ter uma vacina amanhã. Não seria segura ou eficaz, mas poderíamos ter uma vacina amanhã", disse.
A amostra de voluntários e o período de testes
Parte
dos testes clínicos foi realizada no hospital militar Burdenko, com
voluntários das Forças Armadas, o que gerou um receio de que alguns
pudessem ter sido pressionados a participar da pesquisa.
Eles
tiveram início no dia 17 de junho e reuniram, no total, 76
participantes. As informações fornecidas pela própria pesquisa no portal
da OMS falam de 180 dias de avaliação — e, no entanto, a vacina foi
registrada em menos de dois meses após o começo dos testes clínicos.
Especialistas
temem que o processo tenha sido apressado diante de um desejo do
Kremlin de "chegar primeiro" no que tem se desenhado como uma corrida
internacional por uma vacina contra a covid-19.
Em abril, Putin
chegou a instruir o governo a tomar decisões para simplificar e encurtar
o prazo para os ensaios clínicos e pré-clínicos.
Um mês depois, o
país noticiava que os próprios cientistas do Instituto Gamaleya haviam
se inoculado com algumas doses quando a vacina ainda estava em fase de
testes em animais, o que foi duramente criticado pela Associação de
Organizadores de Pesquisas Clínicas.
Em julho, Reino Unido,
Canadá e EUA acusaram hackers russos de tentarem roubar informações
sobre estudos em curso para o desenvolvimento da vacina. O porta-voz do
Kremlin negou as acusações na época.
Não se sabe ao certo quanto tempo dura a imunidade
Sem detalhes sobre os estudos conduzidos na Rússia,
não se sabe sobre a segurança e eficácia da vacina e nem sobre a
resposta imunológica que ela desperta.
Durante o anúncio do
registro da vacina, Putin disse que ela oferece "imunidade sustentável"
contra o coronavírus. O ministro da Saúde, Mikhail Murashko, por sua
vez, afirmou que a imunidade duraria por dois anos — mas não há
evidências científicas nesse sentido.
O fármaco russo é uma vacina
de vetor: o material genético do vírus é transportado por um vírus
inócuo, que não consegue se reproduzir (chamado de "não replicante"),
com o intuito de estimular a produção de anticorpos contra o Sars-CoV-2.
O método é semelhante ao aplicado pela vacina de Oxford.
Assim,
caso o organismo fosse atacado, ele estaria preparado para combater o
novo coronavírus. A duração da imunidade é importante porque ela
determina por quanto tempo a "memória" desses anticorpos permanece ativa
e capaz de debelar novas infecções.
No dia 4 de agosto, um dos
porta-vozes da Organização Mundial da Saúde, Christian Lindmeier,
ressaltou que a organização recomenda que todas as etapas de testes
sejam concluídas antes que qualquer vacina seja oferecida à população.
"Há
uma grande diferença entre descobrir ou ter uma pista e possuir de fato
uma vacina que funcione e tenha passado por todas as fases (de
testes)", afirmou. (BBC News Brasil)
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