sábado, 8 de agosto de 2020

Meu bunker em Coité


    Sabendo que não adianta mais fugir para as montanhas, os bilionários do Vale do Silício , estão comprando bunkers onde pretendem sobreviver ao que acreditam ser o iminente fim do mundo, por uma guerra nuclear, ou quântica, ou uma pandemia, descontrole da produção de sertanejo universitário, meteoro, desabastecimento de farinha de copioba, ou escassez de florestas diante da selvageria que tomou conta da Amazônia, o que já levou uma artista brasileira a conjecturar como ficaríamos sem oxigênio, apesar dos oceanos.

    Seja como for- que cada um tem medo no buraco de ozônio que escolhe-, eles estão comprando bunkers em antigas bases militares americanas e na Nova Zelândia, país que acreditam ser o de maior chance de escapar de uma hecatombe planetária. Têm tamanhos variados, portas de aço de 15 toneladas, sistema de filtragem e purificação nuclear, do ar, telas que projetam imagens falsas do exterior, estoque de alimentos- inclusive papel higiênico, disputado a tapa, na pandemia do coronavirus e nos mercados Venezuelanos com o sucesso do bolivarismo-, e abastecimento de energia que permitiria ficarem cinco anos sem sair do subterrâneo, embora eu não saiba como seria isso em um povo que não tá agüentando um fim de semana de distanciamento social e máscara.
    Ainda não há uma legislação especifica sobre o divórcio, o ronco, e a
    ressaca, mas já estudam na Igreja o casamento com separação de bunkers. A febre, ou o medo- afinal, a espécie humana não é mesmo confiável, vejam o politicamente correto e o fechamento da Playboy-, já tem até nome: survivalismo.
    Eu que não sou besta nem nada e quero ir ao infinito e além, sem abrir mão de ser contemporâneo da Viúva Negra, já andei matutando, diante da escassez de recursos, onde poderia erguer meu bunker, meu kitnet de resistência. Após longos debates com meu colega urologista, imaginalista, e cientista, doutor Paulo Oliveira, sujeito muito sabido nas sabedorias das coisas, concordei que o melhor seria na cidade dele, no pediplano sertanejo, no principado de Coité, território assentado sobre neossolos regalíticos eutróficos.
    Pedi a ele que se encarregasse da empreitada, colocando uma torre de chocalho no Morro do Mocambo para nos alertar de qualquer mudança nos ventos ou invasores, escolhesse a melhor área entre o Tocó e o Jacuípe para cavar nosso iglu, deixando na parte superior uma cacimba e um umbuzeiro medidas ótimas para o resfriamento. Até porque se o fim vier por um invasor intergaláctico, por mais ignorante que seja- que acho essas civilizações extraterrestres muito das ignorantes, pois, a gente tendo o meninico de carneiro, e o forró, eles nunca vieram ver-, saberá que quem descansa debaixo de um umbuzeiro sortido não quer guerra com ninguém.
    Determinei, também, que levasse Edgar, meu mestre de obras, há 30 anos, sujeito cismado e careiro, mas perfeccionista, para botar os puxadores de rede na medida, erguer uma adega de cachaça, das mais puras e preparadas para o envelhecimento, uma dispensa com aipim, andu, cuscuz, e queijo coalho, e que botasse uns rolo de fumo de corda para depurar o ar em caso de ataque nuclear, uns exemplar do suplemento cultural da Tribuna Feirense para a leitura, uns quadros de Juracy Dorea para imaginarmos o lado de fora, na mais pura realeza, e uns filtros de barro para manter água limpa, embora energia solar nunca vá nos faltar.
    Pedi, também, que deixasse, na porta, três pontos, que pudesse amarrar com uma corda de sisal, que não confio na resistência do aço se tentarem arrombar.
    O colapso da civilização não me pegará desprevenido: vou embora pro meu bunker em Coité,lá sou amigo do Rei.

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