segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Crônica de Segunda

 

João Bostinha

         Conheci João Bostinha quando ele ainda era jovem, solteiro, tocando com a turma do K Samba, um conjunto que fez muito sucesso por estas bandas, nos idos de 70. Nelson Rato, Nego Mu, Jorge Pinel, Vira, João e companhia, animavam  as festas da cidade, principalmente as boates dos sábados no Clube de Campo Cajueiro.

         Anos depois, já casado, comerciante, tocando violão só por prazer, a gente se reunia vez em quando num boteco só pra lembrar de velhas histórias e velhas canções. Quando chegava em outras cidades para fazer o seu comércio, era sempre bem recebido, pois as pessoas sabiam que logo mais, à noite, iria ter seresta.

         Tocar violão, cantar e beber. Os três maiores prazeres da sua vida. Só que ele começou a exagerar na bebida, o que logo lhe causou problemas de saúde. Mas não aceitou conselho de  ninguém e tinha uma resposta pronta, na ponta da língua, pra tudo. Certo dia ele chegou numa bodega próxima de sua casa, às sete horas da manhã, e foi dizendo pra dona: Bote uma pinga aí pra mim, dona Zefa. A pobre mulher, que gostava dele, protestou: “Mas, à essa hora João?” E ele, de pronto: “Ué! E isso é antibiótico que tem hora pra tomar?”

         Certa vez ele me convidou para passar um feriado do Carnaval na casa de praia dos seus sogros. Fui, e lá encontrei muitos amigos, inclusive o colega jornalista Zé Coió. Durante o dia era praia, sol, som e cerveja. À noite era praia, lua, som e cerveja. Mas, a maioria das pessoas da casa, inclusive os hóspedes (entre eles Zé Coió), preferiam ficar à noite em casa, vendo televisão.

         João ficava injuriado: “Já viu gente mais besta? Vem pra praia e em vez de curtir o mar, a brisa, fica aí trancada em casa, vendo televisão. E eu lá vim pra praia pra ver televisão? Agora fica todo mundo lá, inclusive os marmanjos, olhando mulher desfilar pelada, sem poder botar a mão. Eu, hem? Esse negócio comigo só serve ao vivo.”

         Eu como nunca fui fã da “máquina de fazer doido”, preferia acompanhar João nas farras à beira mar. Certa noite, a gente estava numa barraca da praia quando alguém sugeriu: Vai buscar os instrumentos. Não nos fizemos de rogados. Fomos à casa, pegamos os instrumentos e íamos saindo quando Zé Coió, que estava com um grupo vendo desfile de escola de samba na TV, exclamou: “Olha que rosto lindo o daquela mulher”!

         João parou, voltou, olhou pra telinha e improvisou:

- Essa aí? Qual o que! Quem come cara é espinha, mulher bonita é a minha! Vamos pra praia, meus amores, fazer um som ao vivo e a cores...

  NE: Publicada no livro Sempre Livre ( 2010)

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