sábado, 13 de agosto de 2022


 * Recadinhos*

 

14 de agosto de 2006.

Meus meninos me presenteavam, quase todos dias, com seus recadinhos.

 Ambos estudantes, um na segunda série fundamental e o outro, na alfabetização, divertem-se com o aprendizado das primeiras letras, e deixam em meus lugares domésticos preferidos, carinhosos bilhetes, expressões de seus sentimentos. Textos na verdade, quase sempre, muito parecidos entre si.

 Tais papeizinhos a mim endereçados levaram-me a certo complexo de culpa por, após lê-los, desfazer-me dos ditos, com dó é verdade.

 Tempos depois, resolvi mudar de atitude.

Em vez de revelar fastio e impaciência ante tal carga de garatujas, passei a ler em voz alta as mensagens, comentar seus conteúdos, elogiando-lhes as caligrafias e dar às mesmas diversos destinos.

 Ora, deixo-as empilhadas sobre a escrivaninha; ora, penduro-as à porta, à janela ou onde mais possa; certas vezes, presas por fita adesiva, balançam na minha estação de trabalho; vezes outras, fixadas ao monitor do vídeo ... e sei lá! Só sei que em meu estúdio de livros e letras, há de tais bilhetes por todos os cantos e lados. Bandeirolas.

 Papai eu te amo!

Você é o meu amor!

Gosto muito de você!

Você é meu pai querido, amado Adão! diz outro bilhete, usando meu segundo nome - Adão, em vez de Hugo, pelo qual sou mais conhecido.

 Somam-se a tais manifestações multicoloridas, flores, céus, nuvens, casinhas, portas, janelas, sóis, estrelas, luas, caminhos, chaminés, arminhos e tudo aquilo apreendido pela infância no mundo a seu redor. Sonhos. Pureza angelical.

 Em momentos de silêncio, fico a matutar iguais performances de outros filhos meus, os primeiros, agora quarentões, do quanto a vida se repete, embora costume-se afirmar “antigamente as coisas eram diferentes”. Não. Outrora, crianças eram tão crianças quanto hoje. Nós, talvez, enquanto pais jovens, ocupados com afazeres da sobrevivência, menos experientes, não nos apercebíamos serem tais recadinhos, inefáveis traduções do mais autêntico amor filial.

Hugo A. de Bittencourt Carvalho, economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez & Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.

 [email protected]

http://livrodoscharutos.blogspot.com 


 

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