*Cachoeira*
O casario escorria ladeiras abaixo, em suceder de telhados, uns aos outros colados.
O branco predominante, hábito dos tempos coloniais da cal como tinta-cor, refletia a luz de dia ensolarado, ofuscava as vistas dos que, ali, deixavam-se enamorar pelo cenário.
Mais ao longe, ao fundo, a serra altaneira era invadida pelas curvas, ora à direita, ora à esquerda, de estrada por onde se escafediam cachoeirenses de antanho, em busca de outras paragens.
O rio Paraguaçu, plácido como se lago fosse, com suas quietas águas maculadas por poucas embarcações, era o marco divisor, a moldura inferior daquele quadro, habitat de privilegiados moradores e sepulcro de vidas consumidas nas lides do tabaco e dos charutos, bem como na libertação da Bahia.
Torres altaneiras, testemunhavam a fé luso-católica dos fundadores daquele Patrimônio da Humanidade. Torres brancas, campanários, ruas desalinhadas, enormes casarões, luziam como vivos cartões-postais do passado.
À margem ribeirinha, um ou outro automóvel preguiçoso deslizava, de ponta a ponta, aquele corredor de saudades, merecedor de ser percorrido passo a passo. Inigualável passeio, à morna brisa de tarde estival e à sombra do arvoredo marginal remanescente onde bancos, voltados para o rio, aguardam o sentar sem-pressa de quantos, como eu, comprazem-se com bucólicas construções coloniais.
Cá no alto, à margem oposta do rio, converti caneta em pincel – oxalá, pintor fosse – e com tintas da imaginação, tentei dar formas ao momento ímpar.
Estávamos em tropical tarde, dezembro de 2012, na serra muritibana, acima da cidade de São Félix, a comentar a plasticidade urbana da histórica Cachoeira. Comemorávamos o encontro anual dos produtores de fumos e charutos da Bahia, e aquele privilegiado sítio, lugar-segredo para poucos, houvera sido eleito para a confraternização.
Ao mirar o horizonte altaneiro, descortinava-se a Barragem de Pedra do Cavalo, com suas comportas fechadas, águas de lago maior que a Baía da Guanabara. Cenário indescritível.
Abaixo, a velha ponte - construída em tempos imperiais, mais que centenária e por onde, ainda, os sucessores das marias-fumaças passam - vencia o rio.
Assim, debruçado, quase de joelhos, ante aquele altar cívico da história, embevecido com a transbordante beleza, deixei-me a traduzir com palavras este quadro da velha cidade de Cachoeira.
Hugo A. de Bittencourt
Carvalho,
economista, cronista, ex-diretor das fábricas de charutos Menendez &
Amerino, Suerdieck e Pimentel, vive em São Gonçalo dos Campos – BA.
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