sábado, 20 de agosto de 2022

 

* Jardim Forró da Cidade Jardim *

 

Paredes cor creme, gosto de quero-mais,

barras, em verdes-patrimoniais:

Estação Rodoviária da Cidade Jardim.

Daqui, cara a cara, encaro

o portentoso palco-abrigo

das atrações junino-musicais.

 

Ao frontispício do proscênio,

no alto, letras garrafais:

“Jardim Forró”.

Dístico ladeado por painéis multicoloridos:

igrejinhas, prédios públicos, idosas casas.

Tempos antigos.

Um relicário.

Beiradeiam o amplo-palco, torres-jardins formosas

de um “verde profundo de folhas de louro.”

Charmosas.

 

À esquerda,

voltada para a arena da “turma do gargarejo”,

réplica do carioca sambódromo,

nosso afro-baiano ‘forródromo’.

Camarotes onde por certo, autoridades

e público pagante – mais certo ainda –

abrigam-se dos serenos joaninos.

 

Junho, mês dos Antônios, dos Joões, dos Pedros,

das trezenas litúrgicas,

das dezenas-apostas no jogo-zoológico,

das frutas, das rezas, dos licores,

das canjicas e das tradições.

(An) danças, comilanças e festanças.

 

Cidade portas abertas.

Em instantes,

mar de automóveis navegantes;

oceano de incontáveis visitantes.

Centenários oitizeiros - mais de cem -

algarobas mais recentes,

belos balões-luz, pingentes,

arranjos florais de cabo a rabo

bandeirolas resplandecentes.

Tudo escandalosamente lindo.

Uma aquarela.

 

Gentes agasalhadas

frente ao noturno frio-tropical,

transformam o vestuário da população

acostumada às saias curtas, às bermudas,

às camisetas-regata, às sandálias havaianas.

Novas aparências.

Mudamos de cidade,

sem dela sairmos.

 

Olho à direita.

Alinhada sucessão de barracas-bar,

delícias da época:

amendoim, milho cozido, canjica,

licores vários sabores.

Moquecas, feijoada, maniçoba.

Ponto obrigatório dos amantes

de pratos plenos ao raiar da madrugada.

 

Rodopio 180 graus, miro a retaguarda.

Enorme bateria de toilettes,

arrodeados por alva divisória,

poupa às vistas festivas, os públicos sanitários.

Algo raro: ofertam pias e espelho aos usuários.

 

A arena, frente ao palco das atrações, lota-se.

O vozerio reinante, brados de alegria,

típicos de população

acostumada a exagerados decibéis.

 

A alegria contagiante,

em clima de notável segurança,

deleta da memória a pandemia recente.

Afoga a triste lembrança

de dois enlutados anos.

 

Comemorações, todos a elogiar

a vontade política de inovar.

Primeiro mandato:

o jovem alcaide

avizinhou-se da unanimidade.

 

O múltiplo e diversificado espaço,

 ponto urbano umbilical laico,

entre outros tantos,

divide com o sacro paço da Igreja Matriz,

as honras de representar

São Gonçalo dos Campos.

 

Abandono a mesa e o licor de jenipapo,

despeço-me das ‘louras geladas’.

 

Alojo-me à antiga estação ferroviária.

Há cem anos,

ponto de parada das marias-fumaça,

frontal à praça e ao casarão-morada

do “coronel” que trouxera da Europa,

o projeto de urbanização daquela área:

praça-início de avenida,

centuplicados oitizeiros.

Naturalmente bela.

Mais bela agora,

o mestre-sala, decorador municipal,

devolveu-lhe ares de arraial.

 

Barraca de artesanatos,

cordéis, cantadores nordestinos.

Fogos de artifício, poucos.

Escassas fogueiras.

Avanço ecológico.

 

Acima de nossas cabeças,

incontáveis lâmpadas,

em cordões-de-luz trançados.

Noites sinônimos de dias iluminados.

 

Fosse isso só, pouco seria.

As enfileiradas árvores,

aos pares, via afora,

a exemplo das descritas antes,

derramam-se em belezas esfuziantes.

 

E os painéis, com sua impactante cromaticidade?

– Lembram-se deles, lá no frontispício do palco? –

Agora, tais reproduções de coloniais construções,

formam um corredor polonês,

ao longo da arborizada avenida,

umas às outras coladas,

montadas no beiral das calçadas.

 

Entre outros testemunhos

no decorativo visual arquitetônico,

a histórica Fonte da Bica,

água que dessedentou os desbravadores,

não foi esquecida.

Também estava, a cores,

naquele corredor de saudades.

 

Imagens-alvo de celulares,

milhares.

Transitar nas pedras da avenida-sonho,

tropeço.

Presente e passado mesclados,

nossa memória

reviram ao avesso.

Retrocedemos à infância.

 

Testemunhei e vivi o junino festival.

O vetusto casarão, minha morada,

lindeiro à garbosa entrada,

disse-me nunca haver visto algo igual.

 

Ainda ressoam alhures e em mim,

a voz do forrozeiro-amigo Hugo Luna,

em seu canto-homenagem à Cidade Jardim.



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