João de Doute
Carlinhos Ceguinho, que de cego não tem nada era o seu melhor amigo, o seu alter ego. Certo dia os dois estavam conversando sobre futebol, o esporte favorito, e Ceguinho demonstrava vontade de ir até o Rio de Janeiro para ver o time do coração, o Flamengo, disputar a final do campeonato carioca de futebol. João, embora também flamenguista, desaconselhou ao amigo:
- Eu se fosse você não ia. Lá tá dando um vírus que tá
matando mais que o Ebola.
- Que diabo de vírus é esse João?
- É bala...
Assim era João de Doute. Certa vez ele estava viajando com
um amigo para Salvador, e o sujeito demonstrou ser, além de “barbeiro”,
altamente imprudente ao volante, fazendo barbaridades na estrada. Encolhido no
banco do carona, João, assustado, se limitava fechar os olhos e dizer “Piu”,
cada vez que o amigo cometia uma imprudência. E foi assim o caminho todo. O
cara cometia uma barbaridade, João se encolhia no banco e dizia: “Piu”.
Quase chegando ao destino foi que o cara se tocou e
perguntou:
- Qual é o caso João?
Por que vez em quando tu se encolhe todo aí e fica dizendo “piu”?
- Ah! E você acha que eu vou morrer sem dar nem um “piu”?
Fazer o que? Ele era assim, gozador por natureza. Brincava
até com a morte. Uma prova inequívoca do desprendimento de João de Doute, de
como ele enfrentava as adversidades da vida com resignação e bom humor, foi
quando esteve internado no hospital, sofrendo do mal que o tornaria deficiente
físico.
O médico conversava em voz baixa com a mãe dele, e ele
parecia dormir no leito, mas estava escutando tudo.
Dizia o médico:
- Ele está fora de perigo, minha senhora, mas o lado
esquerdo do corpo dele vai ficar meio paralisado, como que “esquecido”.
Foi aí que João deu o ar da sua graça:
- Ô minha mãe, bote meu “pingolin” aqui pro lado direito.
NE: Crônica publicada no livro A levada da Égua e outras Estórias (2003)
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